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Capítulo I

  • Juliana Rocha
  • 20 de jun. de 2019
  • 6 min de leitura

Atualizado: 30 de jun. de 2019

Motivo #1: O embuste dizia fazer mestrado quando, na verdade, estava na graduação ainda.


Assim que nos conhecemos, Ricardo Ernesto me contou que estava cursando mestrado em Arqueologia e demonstrou uma certa admiração por mim, pelo fato de eu ter cursado mestrado em Antropologia. 


Tivemos muitas conversas sobre o quanto fazer um mestrado nos consome, devido à infinitude de textos pra ler não só pras aulas, mas também pra nossa própria pesquisa.


Tivemos inúmeros papos sobre a relação entre Arqueologia e Antropologia e também sobre o nosso amor pela obra do Levi-Strauss, antropólogo francês. Embora eu trabalhe como professora de inglês, minha verdadeira paixão é a Antropologia. Por isso esses nossos papos me faziam tão feliz!!! 


Uma vez ele basicamente me deu uma aula sobre um livro do filósofo Platão que ele tinha terminado de ler no dia anterior. Estávamos caminhando, de mãos dadas, da lanchonete onde tínhamos jantado até a minha casa, e a aula que ele estava me dando durante a caminhada era tão natural, tão espontânea, quanto se estivéssemos falando sobre alguma série da Netflix, sabe. Ele se mostrava tão inteligente, tão intelectualmente sagaz e, ao mesmo tempo, tão humilde, aquele tipo de pessoa que não fica se achando por isso, sabe. Quando eu o elogiava, ele ficava muito sem graça e afirmava não se ver dessa forma. 


Aliás, no dia em que ele me explicou as ideias centrais do livro do Platão, a gente já tinha conversado sobre desenhos animados, filmes de super heróis e filmes do Tarantino, como Bastardos Inglórios e Django Livre, nossos favoritos. E depois de tal "aula" sobre Platão, fomos trocar uns beijos, como dois adolescentes, numa pracinha do bairro. Juro que não estávamos cometendo nenhum atentado ao pudor! Mesmo assim, em algum momento fomos interrompidos pelo segurança do condomínio onde fica a pracinha que nos pediu, muito educadamente, pra gente levar nosso fogo pra outro lugar. Fomos embora dali rindo muito. Voltei pra casa nesse dia sorrindo de orelha a orelha. Cada tópico da conversa, cada beijo, cada troca de olhares, cada demonstração de carinho, cada segundo da companhia do "meu Richard" tinha sido perfeito demais para ser verdade.


Foi naquele dia também que Ricardo Ernesto me contou que possuía uma leitura diferente para cada dia da semana. Tinha um livro de poesia que ele só lia às segundas, um de filosofia que só lia às terças, uma biografia de um jornalista que só lia às quartas, um livro de 'essays' de um historiador que só lia às quintas e por aí vai. Lembro que fiquei fascinada porque achei o máximo! Era meu sonho fazer isso também!


Ele passou cinco meses falando pra mim sobre sua dificuldade em escrever a dissertação do mestrado. Dizia que, por mais que gostasse de ler, o ato de escrever não era algo que conseguia fazer muito bem. Por mais que lhe parecesse difícil escrever, ele dizia que sentava em frente ao computador quase todo dia para tentar avançar com o texto e que às vezes horas de dedicação resultavam em apenas uns três parágrafos novos.


A verdade, entretanto, é que ele não fazia mestrado algum! Descobri que nem existe mestrado em Arqueologia naquela universidade, somente o curso de graduação mesmo. Quando o conheci, ele tinha 26 anos e estava, na verdade, cursando a graduação ainda.


Quando eu o confrontei sobre essa mentira específica, ele tentou se explicar alegando sentir vergonha de ainda não ter terminado a faculdade e que poderia não estar escrevendo a dissertação, mas estava escrevendo o TCC, que é o trabalho de conclusão da graduação. Mentira. Mais uma mentira. Ele estava mentindo sobre estar caminhando com a elaboração do texto do TCC. 


Depois que as mentiras começaram a ser descobertas, ele admitiu que não tinha escrito coisa alguma, mas, segundo ele, isso não tinha mais importância, porque no início de 2019 resolveu abandonar a faculdade de vez, desistindo da sua carreira acadêmica.


Independente de sentir ou não vergonha, não há justificativa plausível pra mentiras, há? Ele inclusive falou pra mim que seu mestrado estava também vinculado a uma universidade renomada no Egito, The American University in Cairo (AUC) e que seu orientador de lá trabalha com uma abordagem teórica um pouco conflitante com a do seu orientador da universidade aqui do Rio, e isso lhe gerava ainda mais dificuldade na construção do texto, afinal, ele teria que escrever algo que agradasse os dois orientadores ao mesmo tempo. Gente, que necessidade é essa que o embuste sentiu de inventar que tem vínculos acadêmicos com uma instituição renomada no Egito!?


Em minha defesa, por mais trouxa que eu tenha sido, acreditei em tudo isso porque, além de ser de fato inteligente, Ricardo Ernesto já havia participado de uma expedição arqueológica no Deserto Oriental do Egito. Não só havia me contado os momentos mais legais e os perrengues da expedição, como também me mostrou um vídeo em um canal oficial no youtube. Esse vídeo reunia imagens do trabalho da equipe, e lá estava ele encarnando um Indiana Jones jovem, meio americano, meio brasileiro, da vida real. Se a inteligência e a experiência como arqueólogo no Egito eram reais, por que alguém não acreditaria em todo o resto?


Eu super dava força para ele escrever, tentava fazê-lo entender que, se ele conseguia me explicar a problemática da pesquisa dele oralmente, ele era capaz de passar tudo pro papel. Eu inclusive ofereci deixar um aparelho de celular meu que estava fora de uso pra ele usar como gravador de voz. A ideia era ele elaborar oralmente cada parágrafo de um determinado capítulo e depois ouvir e ir digitando. Ele até comentou que já tinha pensado nessa estratégia, porém seu celular era tão velho que o gravador não funcionava. Por isso ofereci deixar um celular com ele só pra isso. Eu já estava fazendo uma limpeza nos arquivos armazenados nesse aparelho, liberando espaço pros audios dele, quando veio à tona que Richard Van Otto era na verdade uma persona inventada por Ricardo Ernesto da Silva.


Eu já havia me prontificado inúmeras vezes para ler, corrigir erros ortográficos e de concordância, e debater o conteúdo do texto com ele que, por sua vez, sinalizava querer muito essa minha ajuda e se mostrava grato de antemão. Fizemos juntos até um plano de metas que consistia em ele escrever 5 páginas por semana e enviá-las pra mim todo domingo. A ideia era que tal plano  pudesse impedi-lo de ficar enrolando e aumentasse sua produtividade.


Passaram-se três semanas depois do plano combinado, e nada de ele me enviar o que já havia escrito. Sempre dando uma desculpa do porquê não tinha me enviado, mas prosseguia afirmando que estava conseguindo escrever pelo menos um pouco todo dia.


Eu me sentia mal por estar praticamente implorando pelo envio do texto, mas insistia porque achava que ele precisava dessa combinação de pressão e apoio pra fazer o processo de escrita avançar. Até comecei a achar que ele não sentia mais vontade de compartilhar comigo algo tão especial como a própria pesquisa e estava sem graça de dizer que não queria mais que eu a lesse. Cogitei mil e uma hipóteses. A única que não passou pela minha cabeça foi a de que ele estava me enrolando porque não havia texto algum pra me enviar. Não havia mestrado algum. Tudo que havia era apenas encenação. E eu gastei saliva e energia tentando ajudar em algo que não era real.


Pra mim, saber que ele no fim das contas largou a faculdade de vez é mais decepcionante do que descobrir que ele mentia sobre sua trajetória acadêmica. Porque, quando o "Fantástico Mundo de Ricardo Ernesto" desmoronou, ficou claro que ele não é nem um pouco a pessoa comprometida com os estudos e com as ciências sociais como fez parecer.

 

O comprometimento e a dedicação eram do Richard, não do Ricardo. O Richard, porém, não passa de uma das muitas fabricações da mente do Ricardo que claramente usa sua inteligência para enganar e manipular pessoas que ele conquista com essas ficções, ao invés de usar essa suposta inteligência nos estudos ou em qualquer outra coisa que o leve a ser alguém na vida. 


Se a história mentirosa que conta é a vida que de fato gostaria de estar tendo, por que ele não usa o tempo, a energia, a criatividade e a inteligência desperdiçadas com mentiras pra se formar na faculdade e passar pra um mestrado de verdade? Mas vai entender a cabeça de um embuste desse, né?



by Aline Borde -- insta @allieabs

Conclusão: O arqueólogo graduado que cursava mestrado é, na verdade, um Indiana Jones do Paraguai. Mais falso que nota de 3 reais.

7 commenti


alminasouzasantana
01 set 2019

Realmente estou amando 💞

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robertascna
23 ago 2019

Gente qual a necessidade de inventar uma vida que não tem ne kkkkkcara sem noção

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lariluanymg
21 giu 2019

Hahahah meu que demais essa imagem Idiana Jones do Paraguai vale nem uma nota de 3 reais , cara cada capítulo algo q eu me vejo.... Já fiquei numa praça com um Ricardo hahaha .

Já tô ansiosa pro próximo capítulo!!!

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alan.simoes1
21 giu 2019

Que história em .

Adorei a escrita.. confesso que ri um bocado em alguns momentos kk !


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alvaro.jose017
21 giu 2019

Sabe desde o princípio me identifiquei com seu livro. Tô lendo e pra mim é importante para meu vocabulário português e quero felicitar por seu livro muito lindo para caramba amiga... #Parabéns! #Congratulations! #Felicitaciones! 🇨🇴❤🇧🇷

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