Capítulo II
- Juliana Rocha
- 23 de jun. de 2019
- 7 min de leitura
Atualizado: 30 de jun. de 2019
Motivo #2: O príncipe encantado começou a virar um ogro. Ainda usava a história mentirosa do mestrado pra justificar um comportamento frio e grosseiro. Me convenceu de que a egoísta era eu.
No início tudo era flores. Andávamos por toda a parte de mãos dadas. Ele queria estar comigo umas três ou quatro vezes por semana. Me olhava com tanto carinho que seu olhar parecia brilhar ao encontrar com o meu. Pediu para conhecer minha mãe, e eu achava tão fofo ver os dois interagindo! Fizemos até um piquenique em uma das praças do nosso bairro - uma pracinha sem muito movimento e com muito verde ao redor, - e conversamos sobre nossas viagens, nossos pais e nossa infância. Também discutimos sobre os sentidos - ou a falta de sentido - da vida, filosofamos sobre o indivíduo e a sociedade. Pela primeira vez o Ricardo Ernesto me mostrou seu talento para imitar vozes, como a de um chinês dono de pastelaria falando português, a de um gay muito afetado falando inglês, a de um homem latino sedutor falando espanhol, a de uma negra do Bronx falando cantado, e a de um surfista com sotaque carioca carregado, cheio de gírias. Ao longo dos seis meses em que ficamos juntos, eu ria horrores toda vez que ele fazia, do nada, essas imitações. Era hilário.
Uma vez, depois de nos despedirmos no portão da minha casa, ele começou a subir a rua, mas não voltei para dentro de casa de imediato. Estava observando-o ir embora, quando o vi dar, ao mesmo tempo, um pulo de alegria e um soco no ar jogando o braço direito com a mão fechada pro alto, como se estivesse comemorando por estar muito feliz. Naquele instante supus que ele devia estar achando que eu já tinha entrado e que ninguém estava vendo sua maneira boba, porém adorável e fofa de manifestar felicidade com pulinho e soco no ar. Hoje eu acredito que ele sabia que eu estava observando-o e aproveitou pra fazer cena. Mas naquele momento, espiá-lo de longe, vê-lo ir embora contente e constatar que eu era a razão daquela felicidade, assim como ele tinha se tornado a minha, me marcou muito. Eu voltei pra casa transbordando de alegria.
Recentemente encontrei perdido no meu celular as capturas de tela que mostravam uma conversa que tivemos pelo whatsapp na mesma noite em que tivemos um outro encontro maravilhoso. Segue um trecho desse diálogo :
Ricardo/Richard: Obrigado por mais um encontro incrível.
Juliana: Eu que te agradeço! Sou mais feliz quando estou contigo.
Ricardo/Richard: Eu SOU feliz quando estou com você.
Depois dos primeiros dois meses, no entanto, as mensagens fofas começaram a ser substituídas por patadas no whatsapp sem motivo aparente.
Na maioria das vezes conversávamos em inglês pelo whatsapp, e quando ele não me chamava de Jules, me chamava de "dear". Inicialmente eu só o chamava de Richie que é um apelido típico pro nome Richard nos Estados Unidos, mas aos poucos fui adotando o termo "dear" e chamando-o assim também. A partir de algum momento passei a alternar entre "dear" e "baby". Ele nunca havia demonstrado incômodo algum por eu me dirigir a ele dessa maneira, até que num belo dia fui desejá-lo bom dia lhe enviando a seguinte mensagem: "Good morning, baby!" Eu já estava no trabalho quando ele respondeu assim: "Antes de qualquer coisa, saiba que eu detesto quando você me chama de baby. Me irrita. Até me deixa de mau humor, como agora. Não faça mais isso. Estamos entendidos?"
Nem preciso dizer que essa não era a reação que eu esperava a uma mensagem carinhosa, fui pega de surpresa, e meus olhos encheram d'água. Sou ridiculamente sensível e sempre considerei isso um defeito meu.
Eu já tinha colocado a matéria no quadro e designado um tempinho pra turma copiar. Aproveitei tal tempo para dar uma passada rápida no banheiro, porque eu precisava estar, pelo menos por alguns minutos, num lugar onde não houvesse quarenta e dois pares de olhos me vigiando. Entrei numa das cabines do banheiro, tranquei a porta, abaixei a tampa do vaso sanitário e sentei sobre ela. Lutando contra a vontade de chorar, busquei racionalizar o acontecimento e me fiz o seguinte questionamento: "Está ele errado por responder grosseiramente, sem ter o mínimo tato na hora de sinalizar que ser chamado de 'baby' não era do seu agrado, ou sou eu quem está errada por não reconhecer que é uma coisa boa ele finalmente ter me contado que não gosta do apelido? Afinal, tendo o conhecimento disso eu não vou mais insistir no erro, né?"
Acabei concluindo que era um pouco das duas coisas. Nós dois estávamos errados. Então comecei a digitar minha resposta. Apontei que ele não precisava fazer grosseria e pedi desculpas por estar desagradando-o com o 'baby' durante um mês inteiro. Tentei justificar minha suposta falha alegando que, na minha cabeça, "dear" e "baby" eram praticamente sinônimos e que, na verdade, "baby" soava até mais carinhoso.
Eu não imaginava que iria ficar ainda mais chocada com as próximas mensagens que ele estava prestes a me enviar. Ele respondeu que o problema em eu chamá-lo de "baby" era justamente por ser mais carinhoso, que tínhamos que parar de ser tão melosos um com o outro e que já estávamos ultrapassando os limites. Lembro claramente de uma voz gritando na minha cabeça: "Que por*a de mensagem é essa!? De quais limites ele está falando!?
Está dando pra trás na nossa relação? Mas por que? O que eu fiz? E por que ser carinhosa tá sendo tratado como um defeito, algo a ser recriminado!?"
Enxuguei duas ou três lágrimas que escorreram pelo meu rosto, tentei me convencer de que ele estava tendo uma crise existencial e me forcei a voltar pra sala de aula e explicar a matéria do quadro como se essa fosse a única coisa ocupando minha mente naquele momento. Coração angustiado? Desconheço. Foi a mentira que contei pra mim mesma ao retornar pra sala de aula.
Voltei a checar o whatsapp somente na hora do intervalo das aulas. E aí descobri que havia mais mensagens dele. Com esperança de que leria um pedido de desculpas, abri nossa conversa. Não havia pedido de desculpa algum. Ele só havia acrescentado que queria aproveitar o tópico da conversa pra dizer que, durante momentos íntimos nossos, eu usava um termo que ele não curtia e mais uma vez utilizou as frases "Não faça mais isso. Estamos entendidos?"
A conversa ia de mal a pior, mas respirei fundo e me concentrei em comentar que havia também um termo específico do qual ele me chamava durante a nossa intimidade e do qual eu não gostava muito. Querendo devolver na mesma moeda, mandei pra ele a mesma frase autoritária que tinha marcado o seu discurso naquela manhã: "Não faça mais isso".
Na próxima vez que fomos pra cama, conseguem adivinhar o que aconteceu? Eu respeitei o pedido dele e não o chamei do que ele não queria ser chamado. Ele, por sua vez, ignorou meu pedido e continuou usando o termo que eu havia recriminado. E por que então eu não interrompi aquele momento íntimo e o relembrei da nossa conversa sobre isso? Ou por que não abordei essa questão depois, pessoalmente, mas fora da cama? Hoje eu sei o porquê. A resposta é clara: fiquei com receio de desagradá-lo com a minha reclamação. Me calei sob a lógica de que era melhor ele me desagradar com algo que eu poderia escolher deixar pra lá, ao invés de eu reclamar e deixá-lo chateado ou profundamente irritado com cobrança minha.
A lição que tiro daí hoje é que não vale a pena, sob hipótese alguma, a gente optar por se diminuir para caber na vida e nas expectativas do outro. Usei o verbo optar porque se trata sim de escolha. O Ricardo Ernesto pode ter sido grosseiro quando fui carinhosa, pode não ter respeitado meu pedido quando eu respeitei o dele, mas quem decidiu entubar tudo isso em prol do bem-estar da relação, por medo de desagradar macho, fui eu. Ter consciência disso agora é bom porque me deixa em alerta, para que eu não me permita fazer essa mesma escolha outra vez na vida.
Nessa época, o Ricardo começou a justificar sua mudança no whatsapp de um comportamento fofo para um muitas vezes frio e grosseiro através da desculpa que julgou que eu aceitaria mais facilmente: falar que passava horas do seu dia trabalhando na sua dissertação do mestrado, o que, como vocês já sabem, não era verdade. Ele também se utilizava dessa desculpa para justificar por que não queria me encontrar mais com a mesma frequência de antes. Ele me levou a acreditar que era eu quem estava julgando-o erroneamente. Ele me convenceu de que eu, na verdade, estava sendo egoísta por estar alegando que ele estava me tratando diferente. Me convenceu de que eu, desprovida de empatia, não estava sendo compreensiva com o momento difícil e estressante que ele estava vivendo em sua carreira acadêmica.
Eu caí na lábia dele. Comecei a enxergar um egoísmo decepcionante na minha pessoa. Passei a acreditar que eu estava colocando minhas necessidades acima das dele como se eu fosse o centro de tudo. Embora ele andasse agindo grosseira e friamente online, na única vez por semana que estávamos nos vendo, ele era novamente aquele cara apaixonante cuja companhia, conversas bobas, papos intelectuais, olhares intensos, beijos quentes e risadas despreocupadas eram os melhores do mundo. Se pessoalmente era como se aquela frieza e grosseria constantes no whatsapp nunca tivessem existido, eu só poderia estar maluca por achar que ele havia mudado comigo. Ele me manipulou direitinho para eu achar que o problema era minha falta de paciência para com o estresse dele, o qual não tinha a ver comigo, mas que eu, egocêntrica, estava levando para o lado pessoal.
Acabei constatando que quanto menos compreensiva eu fosse, mais eu iria decepcioná-lo e afastá-lo de mim. Eu me culpava por essa relação que tínhamos não parecer mais tão maravilhosa como foi nos nossos dois primeiros meses juntos. E foi com essa linha de pensamento que a culpa passou a me consumir e a me deixar mais vulnerável às mentiras e mais submissa às vontades oscilantes dele. Nos viámos só quando era do interesse dele me ver. Me tratava bem no whatsapp só quando estava a fim de me tratar bem. Quando não estava, eu engolia a frieza e a grosseria pedindo a Deus para não me deixar perder a paciência. Eu precisava combater meus impulsos egoístas.
Acreditando que estava, pouco a pouco, fazendo com que ele perdesse o interesse em mim, eu me questionava: "Como eu não consigo respeitar seu momento, seu espaço, seu engajamento com o mestrado? Logo eu que vivenciei esse momento e sei o quanto o processo de escrita da dissertação consumia meu tempo, meu humor, minha vida social e sanidade mental!"
E aí quando acontecia do meu auto-controle falhar, eu perder a paciência e reclamar das atitudes dele, sabe como eu me sentia? Um lixo de pessoa.

Eu em plena a madrugada lendo mais um capicapí 💞💞
Quase chorei aqui quando li a mensagem grosseira q ele mandou
Caraca! Que maravilha! Estou viciada! Louca pelo próximo capítulo!
Mestre, estou amando demais seu blog!!! Essa história precisar virar um livro. Todas as mulheres precisam ler isso e aprender que os homens têm que nos amar mais do que os amamos! Você arrasa, meus parabéns!!! ❤️
A não ... Já quero o terceiro 😭