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  • Juliana Rocha

Capítulo III

Atualizado: 8 de jul. de 2019


Motivo #3: Conheci o Ricardo Ernesto através de um outro embuste. Eu deveria ter desconfiado que se um dos seus melhores amigos era embuste, coisa boa o "Richard" não deveria ser também. O ditado "Diga-me com quem andas e te direi quem és" cai como uma luva nesse caso.


A primeira vez que ouvi falar do Ricardo Ernesto foi através de um amigo dele. Eu estava saindo com esse cara quando ele me contou que tinha um amigo chamado "Richard" que era americano e morava no mesmo bairro que eu. Fiz cara de chocada ao descobrir que havia um gringo morando perto da minha casa. Por qual motivo alguém sairia de qualquer lugar dos Estados Unidos para morar no subúrbio do Rio de Janeiro, e logo num bairro tão bucólico que, ao mesmo tempo em que parece uma vilazinha de zona rural, possui altos índices de assalto!? 


O Daniel me explicou que a família paterna do amigo era brasileira, que os pais dele já estavam morando aqui há uns dez anos e que o "Richard", como estava sentindo muita falta de passar um tempo com os pais e os irmãos, havia decidido cursar o mestrado no Rio de Janeiro. Sim, o Ricardo Ernesto mentia pra esse amigo também. Como vocês podem perceber, não é só pra mulheres que ele encarna o personagem "Richard".


Num outro encontro o Daniel comentou que passou a semana treinando inglês com o amigo gringo. Eles se encontravam quase todo dia numa praça para malhar e só conversavam em inglês. Ele disse que um dia me apresentaria ao "Richard" porque, além de eu poder treinar meu inglês com ele, seu amigo já tinha visitado diversos países e tinha histórias de aventuras incríveis, bem como de perrengues de viagem, para contar.


Depois de dois meses ficando comigo, esse Daniel sumiu. Depois do nosso último encontro, passaram-se duas semanas sem ele fazer contato algum. Decidi lhe enviar uma mensagem pelo whatsapp com a desculpa de que eu finalmente experimentei o drink que uma vez ele tinha dito, rindo, que era um absurdo eu nunca ter provado. Ele me respondeu sem muita demora e o papo estava fluindo, mas não tínhamos tocado ainda no assunto que ele com certeza sabia que eu esperava que ele abordasse: seu sumiço repentino. Estávamos falando sobre as novidades de um dos seus projetos profissionais quando ele enviou uma mensagem de voz para mim. No áudio ele finalmente abordou o assunto. Contou que dois dias depois do nosso último encontro ele conheceu uma garota por quem se apaixonou à primeira vista e já estavam namorando. Acrescentou que estava jogando limpo comigo porque eu era uma mulher incrível e ele gostaria que a gente pudesse continuar sendo amigos. Achei legal ele ter aberto o jogo. Ele não se apaixonou por mim em dois meses, nem eu por ele, mas se apaixonou por outra pessoa no momento em que a conheceu. Normal. A vida é assim. Então até aí nenhum problema.


Eu já sabia que seu suposto desejo da gente ser amigos era papo furado, mas pelo menos ele estava me dando um pé na bunda com educação, sendo o mais cavalheiro possível. Mas nem preciso dizer que depois dessa conversa nós nunca mais nos falamos, né? A gente, entretanto, continuou um seguindo o outro no instagram e foi isso que me possibilitou descobrir, uma semana depois daquele áudio, que ele tinha acabado de se mudar para Porto Alegre para morar com a nova namorada. Pensei na hora: "Gamou tanto que mudou até de cidade da noite pro dia? Ou será que ele já namorava com ela e estava planejando essa mudança há um tempo?" Em seu perfil no instagram essa era a sua primeira foto com a garota. Não resisti à curiosidade e cliquei na "tag" da foto para acessar o perfil dela.  

         

— Eita! Olha essas fotos de quando ele ia visitá-la no Sul e de quando ela vinha visitá-lo no Rio! Ele já namora essa mulher há mais de um ano! Olha a legenda dessa foto aqui! Aniversário de namoro! Ele estava traindo a namorada comigo! - eu disse à minha amiga que estava do meu lado olhando o instagram da garota também.


— E provavelmente traiu com muitas outras. - minha amiga acrescentou.


— Macho que namora com mulher de outro estado, mas leva vida de solteiro na sua cidade enganando e iludindo a namorada é muito embuste! - eu constatei.


— Com certeza! Embuste detected! - ela concordou comigo.


Não já falei pra vocês que tenho dedo podre? Bem, não gostei nem um pouco de descobrir que participei desse ato de traição à outra mulher. Ele se apresentou para mim como solteiro, fui enganada também. A única coisa que eu, no entanto, poderia fazer naquele momento era deixar de seguir esse embuste no instagram e deletar seu contato do meu celular. Mas antes de excluí-lo do instagram, eu tive a bendita (ou maldita) ideia de procurar o tal "Richard" na lista de seguidores do Daniel.


Em questão de instantes eu já estava fuxicando pela primeira vez o perfil de "Richard Van Otto". Havia fotos lindas de paisagens tanto naturais quanto urbanas que ele tinha fotografado. Havia fotos dele também em tais lugares, e na maioria ele aparecia sozinho. Havia no máximo umas três fotos em que ele estava acompanhado por outras pessoas. Atualmente estamos bloqueados um no instagram do outro, mas lembro bem que essas poucas fotografias eram dele no meio de grupo de amigos. Uma delas, por exemplo, era dele com amigos surfistas na Praia do Pepê na Barra da Tijuca, cada um segurando sua prancha de surfe.


Havia não somente fotos dele ou tiradas por ele pelo Brasil, em lugares para onde o surfe, o rapel e trilhas o levaram, como também registros de quando turistou e até mesmo de quando trabalhou fora do país. Nem preciso dissertar sobre o fascínio que essas fotos exerceram sobre mim, né? Vocês já devem estar me imaginando babando de admiração, olhinhos arregalados e brilhando, enquanto eu via essas fotos incríveis que eram apresentadas em seu instagram de modo despretensioso, com legendas que revelavam que esse "Richard" era um cara super humilde. As fotografias que mais me chamaram a atenção foram as seguintes:


• fotos em Machu Picchu no Peru, porque eu tinha visitado esse sítio de ruínas incas dois meses e meio antes de conhecê-lo;


• fotos das trilhas que ele fez em torno do Lake Tahoe, lago que fica na fronteira entre o estado da California e o de Nevada, na costa oeste dos Estados Unidos. Partindo da cidade South Lake Tahoe, ele foi até o cume do South Maggie's Peak, de onde conseguiu vistas deslumbrantes sobre o Lago Tahoe e toda a paisagem ao redor. Também havia uma foto dele em sua barraca de camping. Quando visitei San Francisco em 2017, eu queria muito conhecer aquela região que eu estava admirando nas fotos dele, mas acabei optando por fazer uma excursão de um dia para o Yosemite Park, por ser mais perto de onde eu estava do que South Lake Tahoe, e assim me sobraria mais tempo para turistar por San Francisco mesmo;


• fotos dele na Coreia do Sul! Acho muito legal quando alguém escolhe visitar algum país da Ásia antes de "fechar" a Europa em sua lista de países visitados;


• uma foto em Londres que mostrava um pôr do sol incrível por trás do Big Ben e do Rio Tâmisa!


• por último, uma foto do Ricardo Ernesto em pleno Deserto Oriental egípcio com um monte de equipamentos e ferramentas à sua volta que faziam parte do seu trabalho junto à equipe da expedição arqueológica da qual estava participando.


Essa foto dele no planalto arenoso de um deserto no Egito me fez lembrar de uma das histórias do "Richard" que o Daniel já tinha me contado. Nosso Indiana Jones Paraguaio foi detido pela polícia local no momento em que estava embarcando no Aeroporto Internacional de Cairo para retornar ao Brasil. Segundo o Daniel, seu amigo havia levado pacotes de bananadas para distribuir entre os seus colegas da AUC (Universidade Americana do Cairo). Apesar de ter ingressado no país com os doces sem problema algum, as bananadas que haviam sobrado e que, ao invés de deixar lá por Cairo, decidiu trazer de volta na mala foi o motivo pelo qual ele foi preso. A polícia suspeitou que havia cocaína escondida naqueles doces.


O próprio Ricardo Ernesto me contou essa história no nosso terceiro encontro. Seus olhos brilhavam e sua voz transmitia emoção enquanto narrava os fatos. Sob suspeita de tráfico de cocaína, "Richard" teve que aguardar o resultado do teste preliminar. Se desse negativo, ele estaria liberado para embarcar. Aguardou, sentindo-se tranquilo, afinal, ele sabia que suas bananadas eram inocentes. O problema é que o resultado chegou e, para sua surpresa, deu positivo. Ele quase infartou. Começou a suar frio. Como aquilo poderia estar acontecendo!? Não fazia sentido! Estava em estado de choque!


Assim que anunciaram o resultado do teste preliminar, o algemaram. Foi detido e levado para uma sala de interrogatório da Polícia Federal do Egito dentro do próprio aeroporto. Deixaram-no algemado à cadeira onde o obrigaram a se sentar e, antes de saírem da sala, disseram-lhe que no Egito a pena por tráfico de drogas é prisão perpétua ou até mesmo pena de morte. Ricardo falou que suou ainda mais frio. Estava tão gelado que parecia um cadáver vivo.


Durante o tempo que lhe deixaram sozinho, ele buscou lutar contra o pânico que queria dominá-lo e forçou-se a se manter racional para tentar entender por que o teste preliminar resultou em um falso positivo. Pensou, pensou e pensou. Nada. Pensou mais um pouco. Segundo o "Richard", foi aí que ele se ligou que há semelhança entre o processo do refinamento da cocaína e do açúcar que reveste a bananada. Já havia lido sobre isso, mas sua mente tinha bloqueado essa informação. Quando os policiais voltaram para de fato interrogá-lo, ele explicou tudo que conseguiu lembrar sobre tal semelhança, pois apenas isso lhe parecia passível de justificar o resultado que erroneamente havia dado positivo.


Os policiais, por sua vez, lhe explicaram que, nos países participantes do acordo internacional sobre quais procedimentos básicos devem serem tomados a partir do momento em que o teste rápido preliminar dá positivo, o próximo passo era submeter os bens apreendidos a um teste definitivo que tem como padrão a aplicação de pelo menos duas técnicas de análise química distintas.


Ricardo contou que um dos policiais tinha uma personalidade mais amigável e que, depois de oito horas de espera e ainda algemado, ele conseguiu ficar a sós com esse policial. Usou sua lábia para tentar tirar alguma informação do cara e conseguiu descobrir que já na primeira técnica empregada no teste definitivo o resultado deu negativo para cocaína. A esperança tomou conta dele de modo que as próximas cinco horas de espera não foram uma tortura como as oito horas anteriores. Já estava mais confiante e otimista. As técnicas do teste definitivo são realmente muito mais avançadas do que a utilizada no teste preliminar. Quando o resultado final chegou, Ricardo foi liberado e a companhia aérea o realocou em outro vôo.


Os procedimentos seguidos pela polícia, conforme descritos pelo nosso querido mentiroso compulsivo, são de fato congruentes com os padrões estabelecidos pelo Scientific Working Group for the Analysis of Seized Drugs para os países que aderiram ao acordo internacional, e o Egito está mesmo entre esses países. Pesquisei sobre isso através do google e foi assim que confirmei que parte do que Ricardo contou era verdade. Ele também deve ter feito uma boa pesquisa pelo google. A parte problemática da história dele estava no açúcar da bananada ter dado positivo para cocaína no teste preliminar. Hoje eu sei que essa alegação, a de que o falso positivo aconteceu por causa de semelhanças existentes entre o processo de refinamento de ambas as substâncias, não tem fundamento algum.      


Na época em que ele me contou essa história, eu nem desconfiei que fosse mentira, porque não poderia ser uma mentira mirabolante pra impressionar uma garota se ele já tinha contado até pra um de seus melhores amigos, né? Grande engano o meu. Agora que estou ciente de que o Ricardo Ernesto tem a doença da mentira patológica, a mitomania, fui consultar artigos acadêmicos e amigos professores de Química sobre a relação entre açúcar e cocaína. Foi unânime a explicação de que o refinamento de um não tem absolutamente nada a ver com o outro.


Embora ambos sejam resultantes do processo de refino de um vegetal, são vegetais diferentes que lhes dão origem - no caso de um, cana-de-açúcar, no caso do outro, folhas de uma planta chamada coca-, e as substâncias químicas usadas no refinamento são distintas também. No caso da cocaína, sua produção é realizada através da extração de um tipo específico de alcalóide encontrado na folha de coca e da adição de produtos químicos usados em diferentes fases do processo produtivo, como ácido sulfúrico, acetona/éter, carbonato de sódio, permanganato de potássio e até mesmo gasolina e querosene. Nada disso é usado no processo de fabricação do açúcar. É impossível um exame preliminar encontrar qualquer coisa na estrutura do açúcar que se assemelhe à da cocaína. Alguém aí se surpreende com a revelação de que essa história dele é mais uma mentira?


A irmã do Ricardo me confirmou recentemente que ele foi realmente detido no Aeroporto Internacional de Cairo, porque para ser realocado em um novo vôo, ele precisou de um documento da Polícia Federal egípcia informando que ele tinha sido mantido sob custódia e por isso tinha perdido o vôo. Elisabeth me revelou que o irmão contou essa mesma história da bananada para a família inteira, mas admitiu que naquela declaração da polícia que ele mostrou pros pais e irmãos não havia informação alguma sobre o motivo da sua detenção que comprovasse sua história. 


Movida pelo meu espírito investigativo, fui atrás da verdade. Entrei em contato com uma das pessoas que faziam parte daquela expedição arqueológica realizada pela AUC, e ela me contou que, segundo o cara da equipe que foi para o aeroporto dar assistência ao Ricardo, ele tinha sido preso porque foi flagrado recebendo sexo oral de uma mulher em um dos banheiros masculinos do aeroporto. Acho que ele precisou inventar um outro motivo pra explicar pros pais, que são extremamente conservadores, o porquê de ter sido preso e perdido o vôo. Certamente gostou tanto da história da bananada que a incorporou na história de vida do seu personagem "Richard". É de dar pena! Ou é de dar raiva. Oscilo muito entre esses dois sentimentos.


Motivo #4: O embuste faz das mentiras um estilo de vida, porque, como acabamos de ver, ele não mente só pra impressionar garotas, mas também mente para a família e amigos.


Voltando ao tema de como nos conhecemos, eu, encantada com as fotos de viagem no instagram do "Richard Van Otto", comecei a segui-lo na rede social em questão e curti somente umas duas fotos de paisagens. Em seguida, voltei ao instagram do Daniel e lhe dei "unfollow". Horas depois no mesmo dia o tal do "Richard" começou a me seguir no instagram também e curtiu três fotos minhas. Achei legal, mas só isso. Por mais interessante que ele fosse, eu só queria acompanhar as postagens dele da mesma maneira que acompanho as de outras pessoas que também não conheço pessoalmente, mas que sigo em redes sociais por fazerem de seus perfis mini-blogs de viagens.


Admito que quando vi fotos do tal "Richard", achei o cara bonitinho. Em algumas ele estava mais bonito do que em outras, mas no geral não fazia o meu tipo. Era mais novo que eu, não parecia ser alto e não tinha barba. Então não me bateu atração física por foto, entendem? Também não senti vontade de flertar com ele só para me "vingar" do Daniel. Esse tipo de coisa não combina comigo. Aliás, eu queria justamente que nada desse tipo acontecesse porque, mesmo que eu e o Daniel nunca mais tivéssemos contato um com o outro, não queria dar motivo pro "Richard" ir lhe contar que eu estava dando mole pra ele. Foi por isso que eu acabei não sendo muito simpática quando o "Richard" me mandou mensagem privada pelo instagram puxando assunto comigo.


Não lhe dei muito assunto em suas três primeiras tentativas de conversa. Na primeira vez cortei o assunto dizendo que eu estava me arrumando pra sair. Na segunda vez, depois de cinco minutos de conversa, eu disse que precisava voltar pra sala de aula. Na terceira vez, depois de uns quinze minutos de papo, comecei a ficar preocupada por estar gostando muito de conversar com ele, então inventei que meu celular estava prestes a desligar porque só me restava 2% de bateria.


Na mesma semana daquelas três primeiras tentativas, "Richard" fez a quarta. Me mandou mensagem perguntando se eu me incomodava de lhe dar o número do meu celular para que pudéssemos continuar conversando pelo whatsapp. Respondi que eu não via problema algum em lhe dar meu número e que eu tinha curtido muito nossa última conversa, mas que eu precisava deixar claro que meu interesse por ele era só amizade mesmo. Expliquei que eu já tinha ficado com o Daniel e que nunca me envolvia com amigo de ex-ficante. Isso, aliás, era 99% verdade. A única exceção é que já fiquei com o irmão gêmeo idêntico de um ex-ficante, mesmo sabendo que ele era o irmão, mas o "Richard" não precisava saber disso. Ele, por sua vez, me disse para ficar tranquila, que o interesse dele por mim era só amizade também. Falou que, inclusive, seria muito legal a gente se conhecer pessoalmente, porque assim eu poderia praticar meu inglês com um nativo e ele poderia ter uma amiga no bairro com quem iria conversar sobre Antropologia, Arqueologia e nossas pesquisas, além de trivialidades. Como deixamos nossas intenções às claras, dei o número do meu celular pra ele que passou os próximos dez dias se fazendo super presente na minha vida através do whatsapp.


Dois dias depois que transferimos a conversa pro whatsapp, "Richard" viajou pra Brasília onde iria participar de um Congresso de Arqueologia. Durante o tempo que ficou nessa outra cidade, me mandava mensagens de voz o dia todo, todo dia, mesmo quando eu ainda não tinha conseguido ouvir e responder os últimos áudios. Eu estava achando incrível! A maioria de nossas opiniões estava em sintonia! E foi muito fofo quando ele disse que normalmente estaria usando o tempo livre dele lá no congresso para ler os dois livros que levou pra viagem, mas que conversar comigo estava sendo tão legal que ele, para sua própria surpresa, estava trocando as leituras pela nossa interação online! Achei tão fofo, que abri um sorriso enorme quando o ouvi falar isso por áudio! Afinal de contas, eu não imaginava que ele só estava gostando de trocar mil e uma mensagens diárias por livre e espontânea vontade da sua parte porque estava tentando me conquistar! Também não tinha como adivinhar que, no dia em que se certificasse que tinha me conquistado mesmo, seu ego ficaria satisfeito e então ele mudaria seu comportamento online e justificaria a mudança com desculpas mentirosas, conforme vimos no capítulo 2.


Era um sábado quando ele chegou de Brasília e me chamou pra gente comer hamburguer artesanal num food truck que se situa numa das pracinhas perto de nossas casas. Ele disse que nunca tinha comido lá, mas que sempre passava por ali e curtia o ambiente por ser na praça, ao ar livre, em contato com a natureza. Eu também nunca tinha experimentado o hamburguer daquele food truck. Fiquei muito animada com o convite.


Eu estava pronta pra sair pra encontrá-lo quando me bateu um friozinho na barriga. E se no fim da noite ele tentasse me beijar? Ou pior, e se pessoalmente eu me descobrisse atraída fisicamente por ele? Eu já estava curtindo muito o papo online com ele. Se o desejo fosse adicionado aí, eu estaria ferrada. Se ele ficasse atraído por mim e tentasse alguma coisa, eu conseguiria resistir e dizer não? Mesmo não fazendo ideia do que eu faria, tive que sair de casa porque ele já tinha mandado mensagem avisando que estava na esquina da minha rua me esperando. Iríamos andando juntos em direção à pracinha.


Lá estava eu, cara a cara com ele, pela primeira vez. Achei ele bem mais bonito ao vivo do que por foto. Demos um beijo em cada bochecha um do outro. Senti faíscas pelo meu corpo. Nos pusemos a andar lado a lado e ele pegou na minha mão. Não sei muito bem que cara que fiz, mas sei que ele se apressou em dizer que amigos podem também andar de mãos dadas. Achei estranho, mas admito que gostei da sensação firme dos dedos dele entrelaçados com os meus.


Durante o tempo que ficamos conversando no food truck da pracinha, percebi meu desejo de beijá-lo ir crescendo. Ele tocar de leve no meu braço inúmeras vezes e apoiar a mão na minha coxa como se já fôssemos um casal estava me deixando doida. Me sentia confusa, cheia de questionamentos na minha cabeça. O que eu iria fazer se em algum momento ele tentasse me beijar?


E ele tentou. Tentou me beijar no momento em que paramos na porta da minha casa no final da noite. O que eu fiz? Bem, eu o afastei com as minhas mãos sobre o peitoral dele antes da sua boca tocar a minha. Sua carinha de frustrado foi a coisa mais fofa! Super sem graça, ele pediu desculpas por ter entendido os sinais errados.


Sem pensar muito antes de abrir a boca, saí dizendo que eu também queria aquele beijo. Meu Deus, por que eu admiti aquilo em voz alta? Tentando ser mais racional, comecei a explicar que não era certo a gente ficar, pois não fazia muito tempo desde que parei de sair com o Daniel e que seria melhor a gente ser amigos por enquanto.


O "Richard" respondeu que entendia meu ponto de vista, mas que, se o problema era só o Daniel, o problema na verdade não existia. Ele começou a dizer que não contaria pro Daniel se a gente começasse a ficar porque, sendo amigo do cara, sabia bem o quanto ele era machista e me julgaria mal, e que ele, o "Richard", nunca deixaria ninguém, nem mesmo um amigo, falar mal da garota com quem ele estivesse ficando. E completou:


— O Daniel traiu a namorada ao ficar com você. Se tem alguém errado aqui, é ele. Já eu e você somos duas pessoas solteiras, não devemos nada a ninguém. - e ele terminou essa frase olhando pra minha boca, e eu no mesmo instante olhei pros lábios dele.


Quando me dei conta, já estávamos nos beijando; minhas costas contra o portão da minha casa; o corpo dele contra o meu. E com esse primeiro beijo descobrimos o quanto nossos beijos têm química. Absurdamente muita química. Infelizmente.



Drawn by Margherita Cassis -- insta @marghesss_13



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