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  • Juliana Rocha

Capítulo IX

Atualizado: 20 de out. de 2019

Enviei fotos minhas com o Ricardo Ernesto e prints de conversas nossas para comprovar à coreana que o seu namorado se relacionou comigo por seis meses. Enviei tudo pelo inbox tanto do Instagram quanto do Facebook. Uma semana se passou e, para a minha frustração, minhas mensagens não tinham sido visualizadas ainda.


Decidi lhe enviar tudo de novo na esperança de que, dessa vez, ao receber minha nova solicitação de envio de mensagens, ela não a ignorasse. Todo dia eu checava se havia aparecido pra mim a mensagem "visualizado", até que uma semana e meia após a primeira tentativa a notificação de visualização surgiu. Finalmente ela ficou sabendo de tudo!


A coreana, entretanto, não respondeu absolutamente nada. Que agonia! Qual teria sido a reação dela ao se deparar com tantas evidências da infidelidade dele? Por que não me fez nenhuma pergunta? Por que não me xingou? Será que ela não acreditou em provas tão explícitas? Ou talvez ela tivesse acreditado, só não deu a mínima importância pra mim. "Vai ver ela é do tipo que acredita que lavou, tá novo", eu pensei.


Só fui obter respostas alguns dias depois através da Elisa, irmã do embuste. A reação da Chin-Sun a tudo aquilo não foi nosso assunto de conversa na primeira vez que nos encontramos, até porque naquele momento a coreana não tinha visto minhas mensagens ainda. Mas, no meu segundo encontro com a Elisa, ela me relatou logo de cara as ações e reações desencadeadas por aquelas minhas mensagens. Mesmo sendo apenas a segunda vez que nos víamos na vida, nossa cumplicidade já se revelava forte, uma ligação originada pela compaixão dela por mim e pelo ranço que nós duas compartilhávamos pelo Ricardo Ernesto.


No dia em que nos conhecemos, a Elisa me contou o quanto o irmão já a tinha prejudicado com suas mentiras. Vou, aliás, contar pra vocês o que, ao meu ver, foi o caso mais pesado. Uma vez a mãe deles, que de fato nasceu e foi criada nos Estados Unidos, precisou voltar pra lá e cuidar da mãe dela, que estava muito doente, por três meses. Durante esse tempo, o Ricardo parou de malhar e de correr. Seu corpo atlético murchou. Ele perdeu muito peso e ficou com uma aparência cadavérica. Quando a mãe voltou pro Brasil, ela obviamente se assustou ao se deparar com o filho em tal estado deplorável: magro demais e com cara de doente. Em um momento a sós com a mãe, Ricardo Ernesto justificou sua magreza da seguinte forma:


— Mãe, foi horrível enquanto você estava fora! A Elisa cozinhava todo dia, mas não me deixava comer da comida que ela preparava. Passei fome, mãe! Minha irmã me negava um prato de comida e, quando o meu pai chegava em casa à noite e eu ia reclamar com ele, ela me acusava de estar mentindo. Foi horrível! A senhora não faz ideia do quanto estou feliz por ter você aqui de volta!


A Elisa nem pôde desfrutar do retorno da mãe como gostaria. Dona Margaret ficou profundamente chateada com a filha. Deu-lhe a pior das broncas sem que a Elisa pudesse contar sua própria versão dos fatos. A mãe ficou sem falar com a filha por uma semana inteira enquanto mimava o "pobrezinho" do filho.


Motivo 27: Ricardo Ernesto perdeu peso durante a ausência da mãe com a intenção cruel de acusar a irmã de o ter feito passar fome, de modo a prejudicar a relação entre as duas para que ele se beneficiasse com essa intriga no seio familiar.


Imagina ver estampado no olhar da sua mãe a decepção que você se tornou pra ela. Imagina agora ver esse mesmo olhar de desgosto, mas sem você ter feito nada para merecer isso. A Elisa fez almoço todos os dias e o seu irmão, que não fazia nada além de lavar apenas o próprio prato, comeu normalmente sem ouvir uma crítica sequer da parte dela. Nunca se ofereceu pra descascar uma batata. Desfrutou da generosidade da irmã enquanto arquitetava um plano para jogá-la aos lobos. Elisa sofreu, e não foi pouco.


Constatar que o Ricardo Ernesto por três meses tramou algo vil só para induzir a mãe a sentir pena dele — e consequentemente acolhê-lo e mimá-lo com mais carinho e mais atenção — reforça para nós algo que já sabíamos: ele é capaz de qualquer coisa para conseguir o que quer. Eu ainda arrisco o palpite de que ele não somente queria a mãe só pra si por um tempo, como também obteve prazer em ver a irmã sendo desprezada por ela durante uma semana toda. Creio que essa minha hipótese faz sentido se levarmos em consideração algo que, durante a ausência da mãe, ele disse pra Elisa:


— Você tem se dado bem por ser a favorita do papai, mas deixa a nossa mãe voltar pra você ver como o jogo vai mudar.


A Elisa não tinha entendido a mensagem na época, mas agora está claro de que aquilo tinha sido uma ameaça que ele de fato veio a cumprir. Bem, se o Ricardo não tem consideração e respeito pela própria irmã, não podemos esperar que tenha por qualquer outra mulher, não é mesmo?


Enfim, esse foi apenas um dos muitos episódios que fundamentam o ranço da Elisa em relação ao irmão. Agora vocês entendem por que ela teve tanta solidariedade e compaixão para comigo logo de cara? Vamos voltar a falar então daquela minha conversa com ela sobre o que aconteceu depois da coreana visualizar as minhas mensagens!

— Ju, parece que logo depois que a Chin-Sun visualizou suas mensagens, ela ligou pro meu irmão pra questioná-lo! Quando percebi que o Ricardo estava falando com ela, fui ficar o mais perto possível pra poder ouvir! Minha sorte foi que ele foi pro quarto dele, mas não fechou a porta; a deixou entreaberta, sabe. Aí de trás da porta deu pra ouvir tudo. Ele disse que ela precisava se colocar no lugar dele e entender que, viciado em sexo como ela sabe que ele é, ele não aguentou ficar com a vida sexual inativa por tanto tempo, já que fazia muitos meses que os dois não se viam. Falou que você não significou nada além de um meio de satisfazer uma necessidade e que não houve outras mulheres. Ele a traiu só com você mesmo. Ainda teve a audácia de alegar que você, ao dar em cima dele com frequência, de modo vulgar e insistente, fez com que ele não resistisse e acabasse tirando proveito da oportunidade, "afinal, a carne é fraca". Palavras do próprio Ricardo.


Eu fiquei boquiaberta.


— Que mentiroso asqueroso! Falou que foi só sexo!!!! E essa garota acreditou!? Os prints eram provas irrefutáveis de que foi mais do que só sexo! E como assim fui eu quem deu em cima dele com frequência!? Foi ele quem puxou assunto comigo e iniciou o flerte! Foi ele quem tomou a iniciativa de me beijar no primeiro encontro! Foi ele quem afirmou em alto e bom som que era solteiro! Foi ele quem disse que éramos quase namorados! Foi ele quem olhou nos meus olhos e disse que me amava! E se teve algo de vulgar e insistente foram as mentiras desse embuste!


— E além disso tudo, Ju, tá mais que provado que você não foi a única com quem ele a traiu. Ele também mentiu pra Chin-Sun sobre isso. Não te contei que, uns seis meses antes de conhecer você, uma outra ficante do Ricardo também me achou no Instagram e veio me perguntar se ele era solteiro mesmo ou se estava escondendo dela que tinha uma namorada? Meu irmão me bloqueou no instagram justamente porque eu falei da existência da Chin-Sun pra essa garota. Mas imagino que me bloquear no insta era uma coisa que ele já tinha vontade de fazer há tempos. Ele nao gostava de eu estar sempre criticando ele por usar um nome que não era o seu verdadeiro naquela rede social. Mas a resposta dele era sempre a mesma. Ele dizia que "Richard Van Otto" é um nome social, da mesma forma que um Pedro que mudou de sexo passou a adotar o nome "Pâmela". Sim, ridícula essa explicação, mas ele É ridículo! Nenhuma novidade até aí, né? Mas enfim, você não foi a única, você claramente não foi apenas um meio de satisfação das necessidades de um tarado, e não há dúvidas de que "a carne é fraca" é mera desculpa de quem não tem caráter.


— E além de mim e da menina que entrou em contato com você, sabemos que ele também traiu a Chin-Sun com a Alice e com a loira do bolo de cabelo no ralo do banheiro dele. Isso sem contar com todas as outras que não conhecemos.


Aliás, no grupo daquelas que desconhecíamos ainda havia a irmã do professor Túlio sobre quem eu vim a descobrir depois. E das duas garotas que eu desconfiava que ele tinha ficado, embora dissesse pra mim, como vocês bem sabem, que não tinha ficado com mais ninguém além de mim, descobri mais tarde que com uma delas ele havia ficado sim, com a outra não.


— Ju, nada disso me surpreende porque eu já sabia que o meu irmão não presta.


— E a coreana? Agora reconheceu que ele não presta? Terminou com ele?


— Bem, essa parte eu posso responder com os áudios que a própria Chin-Sun me enviou pelo whatsapp. Ela me procurou pra desabafar. Escuta com o fone de ouvido porque não é fácil entendê-la falando português, não. O sotaque atrapalha.


Coloquei o fone de ouvido e, à medida que eu ouvia, não conseguia me decidir entre sentir pena ou raiva dessa garota. A pena vinha de ouvi-la chorando no áudio. Ela estava contando, aos prantos, que o próprio Ricardo terminou o namoro com ela sob a alegação de que ela estava enchendo o saco dele com a história da traição, mesmo ele já tendo se explicado e pedido desculpas. Ele disse que era preferível terminar do que aturar aquela ladainha e encerrou a ligação antes que ela pudesse argumentar ou tentar qualquer outra coisa.


No áudio ela prosseguiu contando que nas três horas seguintes ela chorou compulsivamente, porque não conseguia aceitar a ideia de viver sem ele, e foi aí que ela constatou que se eu, Juliana, não tinha significado nada pra ele para além do sexo, se era ela quem ele amava, então não havia motivo pra não perdoa-lo. A partir daí comecei a sentir a raiva se sobrepondo ao meu sentimento de pena. A coreana contou que não perdeu mais tempo. Ligou imediatamente pro Ricardo Ernesto, insistiu que ele a aceitasse de volta e prometeu que nunca mais tocaria no assunto relacionado àquela tal de Juliana.


O mestre da manipulação lhe respondeu que voltaria a ser seu namorado somente se a partir daquele momento o relacionamento deles passasse a ser aberto. E adivinhem só o que aconteceu? Ela cedeu. Tamanho era o desespero de não querer perdê-lo, que ela aceitou àquela nova condição.


E foi assim que ele conseguiu o aval da coreana para continuar saindo com outras garotas, enquanto ela estava lá na Coréia pacientemente aguardando pela próxima vez em que estariam juntos e acreditando cegamente no amor que supostamente existia entre eles. E olha que um dos prints que eu enviei pra essa garota foi justamente daquela conversa em que ele me disse que não amava a namorada e que só amava os pais devido à força dos fatores biológicos hein!


Motivo 28: Ele terminou com a namorada já prevendo o sofrimento e desespero que iria provocar com essa sua decisão pela qual ela não esperava. Ou seja, o Ricardo Ernesto criou uma situação que lhe desse condições de impor - e conseguir - o que queria. Ele estava contando justamente com a dor e o desespero da coreana para fazer com que ela aceitasse quaisquer que fossem os termos dele para reatarem. E assim ele a manipulou para que ela consentisse que ele se envolvesse com outras garotas, mesmo ela estando ferida com as traições recém-descobertas. 


No mesmo dia em que fiquei sabendo disso tudo através da Elisa, eu tive, se não foi o pior, um dos piores pesadelos da minha vida. Foi um sonho não inteiramente igual, porém bem parecido com um dos sonhos de Tereza, a protagonista do livro "A insustentável leveza do ser" de Milan Kundera. Eu tinha relido esse triste romance não fazia muito tempo e, pela segunda vez na vida, os sonhos que aquela personagem tinha ao longo da narrativa me impressionaram muito. Talvez meu subconsciente tenha feito ligação entre como eu estava me sentindo e os sentimentos que levaram Teresa a ter aqueles sonhos. 


No livro, a Tereza sabia que o cara que amava se envolvia com muitas outras mulheres, e isso fazia com que ela se sentisse um lixo e tivesse sonhos recorrentes sobre ser apenas um corpo dentre tantos corpos que Tomas consumia. Sentia que nada tinha de especial em relação às outras mulheres e, como ela o amava, não conseguia lutar contra o desejo de ser a mais importante dentre todas para ele. Quem já tiver lido esse livro, quando eu contar sobre o meu pesadelo, vai rapidamente lembrar especificamente de um sonho que Tereza teve envolvendo corpos, tiros e piscina.


O meu pesadelo se passava num terreno abandonado, porém todo murado. Não havia construção alguma nele e aparentemente também não havia casas nem prédios no entorno. No meio do terreno havia um enorme buraco na terra, como se alguém tivesse cavado o suficiente para colocar uma grande piscina redonda ali. Mas como nenhuma piscina foi instalada, aquilo parecia uma vala, isso sim. Eu e outras mulheres, todas nós nuas, andávamos de cabeça baixa ao redor dessa "vala" redonda. Éramos muitas e, dentre nós, não havia nem mesmo uma que não tivesse transado com ele ainda. E uma de nós era a Chin-Sun, embora o corpo dela fosse o único pintado por uma tinta vermelha, destacando-o em relação aos demais.


No sonho o Ricardo estava no topo de uma grande árvore que havia dentro do terreno e em suas mãos havia uma arma do tipo que um atirador de elite usaria. Ele mirava pra nós. Enquanto caminhávamos calmamente ao redor da vala, ele derrubava uma por uma com tiros certeiros. Ninguém ousava levantar a cabeça ou parar de caminhar a cada tiro dado. Se a vítima atingida não caísse direto dentro da vala, as mulheres que em seguida passassem pelo corpo tinham que chutá-lo com o objetivo de que o cadáver fosse parar dentro do buraco. 


Aparentemente as mulheres tinham medo de desviar o olhar do chão por onde andavam. Já eu, por minha vez, lançava olhares furtivos para a vala e para ele no alto da árvore, mas rezando pra que ele não percebesse. Eu consegui até mesmo ver que dentro da vala já havia uma grande pilha de corpos sem vida, mas cobertos por sangue de um vermelho muito vivo.


Uma a uma foi sendo abatida até que só restaram eu e aquela que detinha o título de namorada, a coreana. Continuávamos circundando a vala. Naquele momento eu lutava contra a vontade de parar, me ajoelhar e implorar que me matasse logo pra acabar com aquilo tudo, até porque eu não queria esperar pra confirmar o que eu já sabia: eu seria eliminada antes da Chin-Sun.


Prossegui caminhando, suportando aquele silêncio desesperador ao nosso redor, até ouvir o próximo tiro ser disparado. Ele me acertou. Foi em mim, como eu havia previsto. Caí na vala, mas como não tinha perdido a consciência ainda, tive tempo de concluir pra mim mesma na minha cabeça:


"Ela é a escolhida, ele a poupou, é ele quem ela quer".


Quando eu estava prestes a perder a consciência, ouvi outro tiro e um grito de mulher. A coreana também havia sido eliminada. Ele assassinou todas, até A namorada! 


Assim que perdi a consciência de vez, tudo ficou preto, e foi aí que eu acordei. Não estava chorando, mas estava tremendo e suando frio. Eu não conseguia respirar direito. Eu não iria conseguir voltar a dormir. Olhei pro relógio. Faltavam 40 minutos pro despertador tocar em vão.


Motivo 29: O embuste estava mexendo com a minha sanidade mental a ponto de se infiltrar nos meus sonhos. Os sentimentos de rejeição e decepção que me consumiam não eram interrompidos enquanto eu dormia. Pelo contrário, o Ricardo conseguia fazer do meu sono um prolongamento de toda a angústia que eu já sentia quando estava acordada. Sua forma leviana e cruel de tratar suas mulheres e a minha cisma de que, mesmo ele não amando nenhuma de nós, a detentora do título de namorada estava num patamar superior a mim e às outras tornaram-se temas recorrentes nos meus pesadelos.



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