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  • Juliana Rocha

Capítulo VI


Se por um lado o Ricardo Ernesto usava a sua dedicação ao mestrado como justificativa pra não ter um emprego fixo, por outro lado, se apresentava como alguém que, apesar dessa situação, estava disposto a trabalhar no que pintasse, desde aula particular de inglês e trabalho como intérprete em passeios turísticos com gringos, até bicos como garçon em festas e atendente de quiosque na praia. Ou seja, fazia parecer que era uma pessoa batalhadora que se virava nos trinta pra ganhar um dinheirinho suado aqui e ali, mesmo tendo que estudar, assistir aulas e escrever sua pesquisa acadêmica.


Mas como vocês já sabem, ele não fazia mestrado algum e até já largou a graduação. Se nem a faculdade está cursando mais, se nem a monografia de final de curso precisa escrever, por que continua desempregado!? Nem mesmo em casa ele ajuda a fazer algo de útil. Quem limpa a casa enorme é a mãe e a irmã. Quem cozinha são elas também. Nem uma batata ele descasca. Se a pia está cheia de louça, ele se limita a lavar só o próprio prato.


Há um tempo atrás seu pai resolveu pintar a casa. Pediu sua ajuda. Ricardo fez cena, fingiu estar mal por causa de gripe alérgica, tomou um antialérgico de propósito e foi dormir. Deixou o pai trabalhando sozinho. No dia seguinte, pra não ajudar, deu como desculpa que tinha aula particular pra dar e saiu de casa quando o pai retomou a pintura. Pois bem, meia hora depois a Elisa deu de cara com o irmão malhando numa das pracinhas do bairro. Então era aula particular de flexão na barra pra si mesmo? Mas ele mentir pros pais já não é mais nenhuma novidade pra gente. De qualquer forma, esse é mais um caso em que podemos diferenciar o personagem do ator, porque o "Richard", mesmo doente, estressado ou exausto, nunca negaria ajuda aos pais. Até mesmo no dia do meu aniversário ele precisou ir embora da minha casa cedo porque tinha combinado de ajudar a mãe dele que não podia pegar peso sozinha. Muito provavelmente isso era mentira, uma desculpa que inventou pra se livrar de mim em plena comemoração do meu aniversário e que, por envolver ajuda à própria mãe, evitaria questionamentos da minha parte. Ainda saiu como bom moço.


Embora o Ricardo goste muito de ler, ele lê o que lhe interessa. Gostar de estudar e cumprir com as obrigações que a graduação impõe, isso ele não gosta e opta por não se esforçar pra cumprir. Pelo visto ele também não gosta de trabalhar se for um emprego onde tenha que assumir responsabilidades.


Motivo #11: Mentir sobre ser estudioso, esforçado, batalhador e filho exemplar é mais fácil do que se dar ao trabalho de correr atrás pra se tornar essa pessoa, não é mesmo? Pra que sair da inércia, da sua zona de conforto, se pode ser preguiçoso e covarde, desistir dos seus sonhos e simplesmente fingir estar vivenciando tudo isso, ainda mais quando a encenação é o suficiente pra satisfazer o seu ego?


Agora que esse embuste já largou a faculdade, por que ele deveria fazer o óbvio e arranjar um emprego fixo se pode continuar morando na casa dos pais sem pagar uma despesa sequer e ainda fazer mãe e irmã de empregadas?


Por que arranjar um emprego fixo que tomaria boa parte do seu tempo e energia se os bicos que faz já lhe rendem dinheiro suficiente pras suas despesas pessoais, bem como tempo livre pra enganar garotas que vão pagar seu almoço, lanche, janta, ingresso de cinema, uber e até mesmo o motel nos encontros? Desse ponto de vista, a coreana fez por merecer o título de namorada oficial e o privilégio de conhecer a família dele. Adivinhem o porquê! Até viagens internacionais ela bancava pra ele!!!


Mesmo que eu quisesse ser trouxa nesse nível, eu não poderia porque nem tenho dinheiro pra isso. Ele até tentou, mas descobriu que, embora eu fosse generosa, minha "mão aberta" tinha limites. Posso ter aprendido com a minha mãe a tirar a roupa do próprio corpo pra dar pra quem está precisando, mas também aprendi com ela a não contrair dívidas sob hipótese alguma. Ainda bem que ela colocou esse bom senso na minha cabeça. Imagina se eu agora estivesse pagando dívida por ter bancado esse embuste pra me acompanhar na minha viagem pra Colômbia? Obrigada, mãe, pelo ensinamento que se materializou em livramento!


Lembram que nosso primeiro encontro aconteceu quando ele voltou de um congresso de Arqueologia em Brasília e que nós fomos a um food truck em uma das praças perto da minha casa? Foi ele quem sugeriu da gente ir lá porque ele sempre passava por ali, achava o lugar agradável, mas nunca tinha ido provado o hambúrguer desse lugar. Imaginou que eu fosse gostar de ir lá também, pois tinha visto no meu instagram que sou viciada em hambúrgueres artesanais. Quando nos sentamos numa das mesinhas do food truck, peguei o cardápio pra dar uma olhada, escolhi o que eu iria pedir e passei o cardápio pra ele que se apressou em dizer que preferia não olhar, já que não iria pedir nada, só iria me fazer companhia mesmo. O motivo? Ele estava sem grana; havia gasto tudo que tinha na viagem pro tal congresso em Brasília.


Motivo #12: Quem vai no primeiro encontro sem dinheiro algum, sem dinheiro pra pelo menos pagar um lanche pra si mesmo!? O Ricardo Ernesto, claro!


Pedi um hambúrguer artesanal, fritas e refrigerante, mas estava me sentindo desconfortável por estar num encontro em que a outra pessoa não estava comendo nem bebendo nada, estava só me assistindo comer enquanto conversávamos. Insisti, portanto, para que ele comesse da minha batata e coloquei metade da minha lata de Coca-Cola num copo pra ele. E foi a partir daí que teve início a saga dos encontros em que eu bancava as refeições dele.


Motivo #13: Durante todo o tempo em que ficamos juntos, a única coisa que ele pagou pra mim foi um sanduíche do Subway, aquele da promoção do dia que é baratinho. E só pagou pelo seu próprio lanche três vezes! Isso mesmo. Apenas três vezes em seis meses! Eu o banquei em todos os outros rolês.


Uma dessas três vezes em que ele pagou a própria refeição foi quando ele sugeriu que fôssemos a um rodízio de comida japonesa. Procuramos por promoção no Groupon e encontramos uma em que o rodízio sairia por 55 reais por pessoa com refil de refrigerante incluído. Comprei pra nós dois com o meu cartão de crédito e ele tirou do seu porta-níquel, um bem velhinho e desgastado que deixava preso na argola do seu chaveiro, uma nota de cinquenta toda amassada, dobrada em mil pedaços, e ao entregá-la para mim, disse com um olhar triste:


— Tô te dando tudo o que tenho, dear. Vou ficar pobre, mas... — e aí abriu um sorriso enorme e o olhar triste deu lugar à alegria. — ... mas vou ficar bem alimentado e em ótima companhia!


Foi por pouco que eu não devolvi aquela nota de 50 pro "Richard". Me deu um aperto no coração precisar aceitar aquele dinheiro sofrido dele!


Confesso que eu costumava pagar com prazer pela comida dele nos nossos encontros. Afinal, eu acreditava que sua situação financeira era complicada por um bom motivo: o seu comprometimento com o mestrado. Eu também acreditava que o dia em que sua situação financeira melhorasse, ele mesmo faria questão de pagar o próprio lanche e até mesmo alguns meus em retribuição. Eu nunca cogitei que ele fosse um mentiroso aproveitador. Eu nunca teria contado pra ninguém que eu o bancava, nunca teria concebido isso como algo ruim se nossa relação tivesse sido verdadeira, sincera e cheia de parceria e cumplicidade como eu acreditava que fosse. Somente quando a gente descobre que foi manipulada sentimentalmente é que nos damos conta de que fomos usadas.


Motivo #14: Enquanto acreditávamos que cada despesa do embuste bancada por nós era uma demonstração de carinho, para esse mentiroso se tratava de mais uma vitória da sua manipulação e, nesse caso, vitória do tipo que se traduzia em ganhos materiais.


Recentemente descobri que o nome que se dá para a pessoa que faz uso da fraude e da manipulação sentimental da vítima com o intuito de obter ganhos materiais e com isso lhe causando prejuízo é estelionato sentimental, considerado uma infração de médio potencial ofensivo, segundo o Artigo 171 do Código Penal. É crime! Quando uma amiga advogada me contou isso, foi aí que me dei conta de que havia um lado criminoso no que o Ricardo Ernesto fazia comigo, com a coreana e certamente com muitas outras garotas.


Fico relembrando nossos encontros, especificamente os momentos em que tirei dinheiro ou cartão de crédito da carteira, e vasculho minha memória em busca da lembrança da cara do embuste em tais momentos, mas não consigo me recordar. De qualquer forma, lembrar da cara dele não tornaria possível ler seu pensamento. Só me restam as dúvidas: será que esse estelionatário sentimental estava rindo de mim, mentalmente me chamando de otária? Será que ele somava o valor de todas as despesas bancadas por mim pra saber quanto estava acumulando de benefícios às minhas custas?


Até a felicidade exagerada que ele demonstrava ao desfrutar de uma boa refeição, como se fosse uma criança em êxtase porque ganhou doce, será que era pura encenação? Minha mãe ele ganhou assim. Ela se deleitava com a alegria contagiante do "Richard" quando ela preparava lanches pra ele com todo o carinho do mundo, ou então quando lhe dava doces, principalmente bananadas, pra ele levar pra casa. Alegria real ou teatro? Eis a questão.


Eu disse que nunca desconfiei que ele fosse um mentiroso aproveitador, não disse? Na verdade, eu poderia ter desconfiado, porque ele deu um motivo pra isso. Mas quando a desconfiança bateu, eu não quis deixá-la sujar meu conto de fadas! Imediatamente a varri para debaixo do tapete e a deixei escondida por lá. Isso aconteceu no início de dezembro do ano passado, quando ele me disse que gostaria de ir pra Colômbia comigo, mas que nós teríamos que buscar as passagens aéreas de ida e volta totalizando no máximo 1.500 reais, porque era esse o valor das economias dele.


Minha primeira reação foi transbordar de felicidade por descobrir que ele queria usar as economias dele pra viajar comigo! Ele já tinha mencionado que gostaria muito que viajássemos juntos para acampar em Ilha Grande, mas agora ele estava cogitando me acompanhar numa viagem internacional, na qual ele ainda iria conhecer meu melhor amigo, uma das pessoas mais importantes da minha vida que estava morando na Colômbia! Mas instintivamente me veio à cabeça a seguinte problematização:


"Ué, o Richard nunca tem dinheiro pra pagar o próprio lanche. Diz que gasta o pouco que ganha com livros, contas a pagar e despesas com o mestrado. Como foi que conseguiu juntar 1.500 reais!? Ele tem 1.500 reais guardado! Não é como se ele estivesse zerado de grana durante todo esse tempo, nos nossos encontros!"


Comigo bancando o Ricardo nos rolês, é claro que foi possível ele guardar esse dinheiro! Quando contei pra uma das minhas melhores amigas sobre esses 1.500 reais que "surgiram" pras passagens aéreas dele, ela me chamou a atenção para certos detalhes que eu não tinha problematizado até então. Se 1.500 reais era tudo o que ele tinha, de onde ele tiraria dinheiro para os gastos durante a viagem? Ele já estava supondo que eu o bancaria na Colômbia!!!


Depois de duas semanas procurando, sem sucesso, por passagens aéreas de até 1500 reais, finalmente achei pelo valor de 1700. Então fui até ele com a seguinte proposta:


— Richie, já que eu vou ficar encarregada das nossas despesas com hospedagem, comida e passeios turísticos na Colômbia, será que você consegue pegar pelo menos 200 reais emprestado com seus pais ou com algum amigo pra gente poder comprar pra você essas passagens de 1.700 reais? A gente estava encontrando passagens somente acima de dois mil. As minhas mesmo saíram por dois mil e duzentos. Essas de 1.700 estão valendo muito a pena!


Ele respondeu que não tinha a quem pedir emprestado e que, mesmo se tivesse, não conseguiria devolver o dinheiro pra pessoa logo, pois o pouco que faria trabalhando no quiosque da praia até o dia de embarcar na segunda semana de janeiro seria só o suficiente pra pagar suas contas no início do mês. Estão vendo como ele realmente estava querendo ir pra Colômbia comigo ciente de que não teria dinheiro pra cobrir suas despesas durante a viagem?


Motivo #15: Ele decidiu viajar para a Colômbia comigo e pagaria apenas pelas suas passagens aéreas, deixando implícito que seria eu quem iria cobrir suas despesas com hospedagem, refeições e passeios quando estivéssemos em terras colombianas.


Hoje dou graças a Deus por ele não ter arranjado aqueles 200 reais que faltavam pra inteirar o valor das suas passagens aéreas! Dou mais graças a Deus ainda por eu não ter lhe dado esse dinheiro.


Assim que voltei do Chile, no dia 4 de janeiro desse ano, eu achei as passagens pro trajeto Rio-Bogotá-Rio por 1.650 reais! Faltava menos de uma semana pra eu viajar de novo e eu queria muito que dessa vez ele fosse comigo. Senti muito a falta do "Richard" quando eu estava no Chile. Ou compraríamos aquelas passagens de 1.650 reais naquele momento ou ele não viajaria comigo. O momento era do tipo "agora ou nunca". Tomada por um impulso irracional, o que eu temia aconteceu: ofereci lhe emprestar 150 reais e ainda lhe disse que poderia me pagar de volta só lá pra março ou abril. Vocês acreditam que eu acreditava que se eu oferecesse os 150 reais como empréstimo ao invés de presente, embora eu já fosse presenteá-lo com todas as suas despesas em terras colombianas, eu ainda estaria mantendo minha dignidade!? Trouxa!


Entretanto, no momento em que ofereci lhe emprestar os 150 reais, "Richard" me comunicou que era tarde demais porque, enquanto eu estava no Chile, ele precisou usar suas economias pra pagar as contas de casa a pedido do seu pai. Hoje eu sei que isso era mentira. Uma das primeiras coisas que Elisa, a irmã dele, me contou quando nos conhecemos é que tudo que o Ricardo ganha financeiramente é para o seu próprio usufruto. Ele não tem que dar um centavo pra ajudar em casa.


Quando eu já estava na Colômbia, ele veio me contar todo feliz pelo whatsapp que um amigo seu do surfe, que é um coroa muito rico e que o vê como um filho, lhe deu uma prancha de surfe nova de presente e ele mal podia esperar a prancha ficar pronta! Hoje acredito veemente que essa história de presente é mentira. É só ligarmos os pontos que fica óbvio que ele usou os 1.500 reais pra comprar a prancha nova! E por que mentir sobre isso? Pra continuar fazendo o papel de coitadinho que, embora trabalhe muito, está sempre zerado de grana. Mantendo essa imagem de pobre coitado eu continuaria pagando comida, cinema e motel, não é mesmo? E foi exatamente o que continuou acontecendo. O que ele tem de mestre em manipulação, eu tenho de ingenuidade.


Estou ciente de que acabei de revelar que era eu quem pagava o motel também. Mas que fique claro que não íamos ao motel com frequência porque podíamos ter nossos momentos de intimidade aos domingos na casa dele, algumas vezes na minha casa e várias vezes no nosso esconderijo secreto na subida de uma colina que tem no nosso bairro. Então que fique registrado que eu não gastei nenhuma fortuna com motel, não. Mas ainda assim, até nisso eu banquei a parte dele, ao invés de ao menos dividirmos a conta.


Lembro bem, tão bem como se isso tivesse acontecido ontem, que na última vez que fomos ao motel ele me deu 20 reais pra ajudar na despesa. Mas antes da gente ir pra lá, ele havia me dito que dessa vez poderia ajudar com 40 reais, pois era o que ele tinha. Na manhã do dia seguinte, na hora de pagarmos a conta do quarto, ele me deu apenas uma nota de 20 reais. Isso mesmo, somente 20 reais! E sem me dar explicação alguma. O que foi que eu fiz? Nada. Deixei pra lá. Fiquei sem graça de perguntar pelos outros 20 reais. Também fiquei com pena dele. Eu o vi tirar aqueles 20 reais sofridos de dentro daquele seu porta-níquel velho e acabado que ele carregava preso ao chaveiro. Ao receber dele essa única nota de 20, tive o seguinte pensamento:


"Ah Juliana, ele só tinha 40 reais! Se ele te desse os 40, ele ficaria sem dinheiro nenhum até dar alguma outra aula de inglês ou ir trabalhar no quiosque da praia. Como você pode querer que até lá ele fique zerado de grana?"


Não só aliviei a barra dele com aquela linha de raciocínio, como também a finalizei repetindo pra mim mesmo o que ele sempre dizia pra mim: que eu precisava ser mais compreensiva com a situação dele. Trouxa!


Motivo #16: Era eu quem pagava o motel quando decidíamos passar a noite lá. Na única vez em que o embuste iria me ajudar a pagar a conta, ele só me deu a metade do valor que tinha prometido dar na hora do pagamento. E olha que eu já iria pagar a maior parte da conta! Ele não se importou nem de cumprir o prometido, nem de me explicar o porquê disso.


É claro que de vez em quando o "Richard" encenava um discurso sobre se sentir mal por eu estar gastando o meu dinheiro com ele. Mais de uma vez afirmou que sabia que eu fazia isso por ele de coração, mas sabia também que o valor desses gastos era dinheiro que poderia estar sendo guardado na minha poupança pra viagens. Chegou até mesmo a declarar que não se incomodaria de ir comigo a hamburguerias e restaurantes e ficar sem comer nada. Iria só pra me fazer companhia mesmo. Como se eu fosse conseguir deixar a pessoa de quem eu gosto passar fome e vontade do meu lado! Ele sabe muito bem que eu nunca aceitaria isso, e ele gostava sim de comer às minhas custas. Se não gostasse, ele não faria o que fez muitas vezes: me convidar pra ir jantar em um determinado lugar para, logo depois que eu demonstrasse estar animada com o seu convite, me avisar que estava sem dinheiro e perguntar se havia problema nisso!


Motivo #17: Se o Ricardo estivesse falando a verdade sobre não gostar que eu gastasse o meu dinheiro com ele, se realmente se sentisse mal com isso, ele poderia ter gasto em alguns dos nossos encontros pelo menos um pouco, nem que fosse só um décimo daqueles 1.500 reais que eu descobri que ele tinha guardado durante todo o tempo em que dizia estar zerado de grana. Pelo menos assim teria me dado um pouquinho menos de prejuízo!


Convém ressaltar também que ele nunca me deu presente algum, nem ao menos no meu aniversário, nem mesmo algo sem custo financeiro, como uma das lindas flores que ele fotografava pelas ruas e postava nos stories do seu instagram. No entanto, quando eu voltei do Chile e lhe dei cartões postais e algumas outras lembrancinhas da viagem, ele comentou que poderia ter me pedido pra trazer um livro do Pablo Neruda, porque era um sonho seu ler uma das obras desse grande poeta na língua original, em espanhol.


— Poxa, por que você não me pediu, Richie? Eu não sabia o que trazer de presente pra você além dos cartões-postais... Se eu soubesse que você queria um livro do Neruda, eu não teria corrido o risco de errar na minha escolha de presentinhos, né!?


— Mas você não errou, dear! Adorei tudo o que você trouxe pra mim! — declarou com um sorrisão estampado em seu rosto.


— Eu ainda posso conseguir o livro do Neruda pra você! Na Colômbia! — falei animada.


— Você vai trazer pra mim da Colômbia uma obra de um poeta chileno, sendo que há pouco tempo atrás você estava na própria terra natal do poeta! — ele riu. — Que ironia!


— Culpa tua, que não me contou isso antes! — eu ri. — Mas pelo menos eu vou pra outro país que fala espanhol e vou poder resolver esse probleminha. — dei uma piscada com o olho direito pra ele, que me puxou pra mais perto de si e me deu um beijo.


— E eu vou amar! Obrigada, Jules. Você é a melhor!


Ele me pediu ou não me pediu um livro do Neruda de presente? E ainda assim, alguns dias depois eu fiz aniversário e ele não me deu nada além de gastos.


Se ele não se sentia mal com nada disso, por que se dava ao trabalho de dizer que se sentia mal por eu pagar coisas pra ele? Porque com esse teatro fazia parecer que se importava, que era agradecido, que reconhecia o que eu fazia por amor e que dava valor a tudo isso. É um bom teatro pra se fazer quando o embuste quer continuar tirando benefícios da gente e ainda quer pedir pra comprarmos um livro pra ele, não é mesmo? Ainda comprei dois livros do Neruda pra ele, um na livraria e outro no sebo. Oitenta reais no total. E só ganhei mentiras como forma de retribuição.


Quando a coreana morava no Brasil — ela morou aqui por uns meses quando veio fazer intercâmbio pra aprender português — e em todas as vezes que ela veio ao nosso país pra rever o namorado, ela também o bancava. Como ele não tinha dinheiro pra fazer passeios e sair pra comer, ela pagava as coisas pra ele. Bastava o Ricardo sugerir que gostaria de algo, assim como ele falou pra mim do livro do Neruda em espanhol, que ela não hesitava em comprar para presenteá-lo. Que poder de manipulação é esse que ele tem que fazia com que eu e a Chin-Sun quiséssemos agradá-lo de todas as maneiras possíveis? Que carência é essa que há em nós que nos torna tão suscetíveis à tamanha manipulação sentimental?


Motivo #18: A namorada oficial coreana do Ricardo Ernesto também gastava seu dinheiro com ele. Chin-Sun o bancou para que ele a acompanhasse não só em viagens dentro do Brasil, como também em viagens internacionais, e uma delas, por exemplo, teve Machu Picchu no Peru como destino. Ela também pagou pra ele ir visitá-la em sua terra natal e conhecer sua família. Estelionatário sentimental. Golpista de mulheres financeiramente independentes.


Quando eu perguntei ao "Richard" por que ele havia escolhido conhecer a Coréia do Sul ao invés da Tailândia, por exemplo, que é um destino que surfistas amam, obviamente ele não me contou o motivo real que o levou a terras coreanas. A história que contou foi outra. Disse que havia se inscrito em um processo seletivo de uma universidade de Seul, capital de lá, pra concorrer a uma bolsa de estudos de um curso de Filosofia de 4 meses de duração. Contou que de início sua insegurança não o deixou acreditar que conseguiria a bolsa, mas quando saiu o resultado, descobriu que tinha sido um dos primeiros colocados e que por isso ganharia também uma ajuda de custos da universidade!


Pois é, essa foi mais uma lorota pra coleção de mentiras contadas por Ricardo Ernesto. Pelo visto, a "instituição acadêmica" se chamava Chin-Sun e ser bancado por ela na Coréia e fingir ser o seu príncipe encantado se chamava "curso de Filosofia". Aff.


Elisa, a irmã do embuste, me contou que a coreana costumava comentar brincando que a dívida financeira do Ricardo Ernesto estava cada vez mais gigante e que um dia ele teria que ficar rico pra sustentá-la, pois só assim ele pagaria tudo de volta pra ela.


Motivo #19: Eu e a Chin-Sun não somos, infelizmente, as únicas que caíram nesse golpe de estelionato sentimental, não. Deve haver várias outras vítimas, mas tive a oportunidade de conhecer apenas uma outra, a Alessandra. Assim como fez comigo, o Ricardo se apresentou pra ela como "Richard Van Otto" e também mentiu sobre sua história de vida. Não nos surpreende que ele também usou com ela a sua dedicação ao mestrado como justificativa pra sua situação financeira ruim, e com o seu teatro, conseguiu fazer com que mais uma vítima bancasse as despesas dele nos encontros. "Richard" também começou a frequentar a casa da Alessandra e, adivinhem só, deixou a mãe da garota encantada por ele! Envolveu a família dela em sua farsa, assim como envolveu a minha.


Como eu soube do caso da Alessandra? Bem, ela é irmã do Túlio, um professor de Biologia que trabalha comigo. Foi mais ou menos um mês antes de tomar a decisão de iniciar o blog que eu descobri, muito por acaso, que o Ricardo foi um embuste na vida dela. Conversa vai, conversa vem com o Túlio durante o nosso almoço semanal, mencionei minha decepção com um mentiroso aproveitador chamado Ricardo que dizia se chamar "Richard". Túlio, o meu colega de trabalho, arregalou os olhos e comentou:


— Ei, eu acho que conheço esse cara! Esse tal de "Richard"!


À medida que o Túlio narrava a história da sua irmã Alessandra, eu tinha cada vez mais certeza de que se tratava do mesmo embuste que o meu. Mostrei a esse meu colega fotos do Ricardo. Identidade confirmada.


A Alessandra, entretanto, não chegou a descobrir que sua relação com o "Richard" estava permeada por mentiras! Ela terminou com ele porque se cansou do quanto ele era parasita! Até seus pais já estavam incomodados com o embuste, por terem percebido que ele é do tipo que gosta de ficar na aba dos outros. E não era só o fato da filha pagar as coisas pro ficante-quase-namorado nos encontros o que os incomodava, não! Eles estavam irritados também pelo fato de que o "Richard" sempre pedia pra Alessandra levá-lo e buscá-lo de carro nos lugares em que ele queria ir fazendo dela sua motorista particular, uma espécie de "Uber 0800", sabe?


Outro motivo de desagrado pra Alessandra e sua família foi quando perceberam que o "Richard" sempre aparecia na casa deles na hora do jantar. Mesmo quando começou a inventar desculpas pra não passar mais os fins de semana com a garota, ele continuava aparecendo pra jantar na sua casa em um ou dois dias da semana. E a mãe dela, assim como a minha, é muito farta quando se trata de comida. Sempre havia um banquete.


A história da irmã do Túlio só não é 100% idêntica à minha, porque eu não tenho carro, nem mesmo sei dirigir, portanto, não tinha como o Ricardo me fazer de motorista particular, e eu terminei com ele porque cheguei a descobrir sua farsa e o desmascarei. Mas agora a Alessandra finalmente sabe de toda a verdade. Ela também é leitora deste blog.


Que esse projeto literário se revele também como um meio de outras vítimas desse estelionatário sentimental mau caráter descobrirem a verdade. Um dia a coreana também vai compreender que ele é um lixo de ser humano.


Motivo #20: Quando a máscara do Ricardo Ernesto cai e sua vítima descobre quem ele é de verdade, bem, esse embuste não é nem mesmo bom de cama para a mulher achar que a performance sexual dele compensa a sua falta de caráter. Ele vai acabar sozinho.


E convenhamos que o desempenho sexual de um homem, nem mesmo nos casos em que tal performance é fenomenal, não deve nem pode, sob hipótese alguma, ser considerado mais importante que caráter, empatia e honestidade. O meu, o seu, o nosso amor próprio vale mais que uma boa transa. Vai por mim!


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