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  • Juliana Rocha

Capítulo X

Levei um bom tempo pra tirar da cabeça aquele pesadelo tenebroso que contei pra vocês no capítulo anterior. Mas sabem de uma coisa? Aquele sonho não foi inteiramente ruim. Embora tenha levado um tempo, consegui compreendê-lo como um alerta do meu subconsciente de que eu estaria permitindo o meu próprio aniquilamento se eu não saísse de vez da mira do embuste.


Motivo 30: Entendi que, enquanto eu continuasse girando junto a outras mulheres na órbita do Ricardo Ernesto, eu estaria me autodestruindo. 


O sonho também estava me dizendo que eu precisava desconstruir a minha crença obsessiva sobre ele atribuir uma importância muito maior à namorada. Ela poderia levar mais tempo pra se autodestruir por completo, mas permanecer na órbita dele a levaria ao mesmo fim que o meu: àquela vala onde jaziam nossas auto-estimas.


Eu só fui capaz de sair da mira do Ricardo e me distanciar daquela vala quando entendi não só na minha cabeça, como também no meu coração, que não sou um lixo de mulher, ele é quem é um lixo de ser humano. E essa dupla compreensão, que fundia nível racional e emocional, foi como uma virada de chave, sabe. Consegui me perdoar pelo tempo que permaneci na órbita dele e reconhecer o valor da mulher que eu sou com todos os meus defeitos e qualidades, com todas as minhas cicatrizes e feridas abertas, com toda a minha força, mas também com todas as minhas inseguranças.


Mas até chegar lá eu fiquei revirando o lixo atrás de mais e mais informações sobre o embuste. Por um lado, foi muito bom conseguir algumas respostas e com elas tornar possível distinguir mentiras de verdades. Por outro lado, reconheço que foi ruim pra mim fazer disso uma missão de vida, porque manteve o Ricardo Ernesto de certo modo presente na minha vida por mais tempo, ao invés de expurgá-lo o quanto antes.


Boa parte dos resultados da minha busca pela verdade foi alcançada pela participação da Elisa, irmã dele, como minha informante. Foi através dela que descobri que a história de vida que o Ricardo Ernesto conta é basicamente uma obra de ficção.


Como vocês bem sabem, o Ricardo se apresenta como o gringo Richard, nascido nos Estados Unidos, filho da americana Margaret e do brasileiro Wilson. Bem, o embuste realmente nasceu na Califórnia e de fato possui cidadania americana. Sua família materna e a paterna são, respectivamente, americana e brasileira mesmo. No entanto, ele não morou nos Estados Unidos até os catorze anos. Ele se mudou pro Brasil aos cinco e desde então mora no mesmo bairro que eu no Rio de Janeiro. 


Ele não cursou o Ensino Médio em um colégio interno na Inglaterra conforme ele conta, a não ser que Madureira seja a nova Londres e a gente não tenha recebido essa notícia! Convenhamos, a qualidade da segurança pública e o clima em Madureira são idênticos ao de Londres! Só não vê quem é cego, ora! Pois bem, me desculpem pelo sarcasmo, mas não deu pra resistir! O contraste entre as mentiras e a realidade é revoltante demais.


Motivo 31: Ricardo Ernesto inventa dezenas de histórias sobre uma infância vivida em Los Angeles e uma adolescência vivida em Londres, quando, na verdade, mora no subúrbio do Rio de Janeiro desde os 5 anos de idade.


Vocês lembram que o Ricardo fingia não saber falar português direito e que eu achava muito fofo vê-lo se esforçando para conversar em português com a minha mãe? Então... Embora não parecesse fake, o sotaque de gringo que ele exibia ao falar português era pura encenação. O embuste fala português todo santo dia desde criança. Ele fala nossa língua fluentemente e com o sotaque chiado típico do carioca. 


Por que ele mente sobre isso!? Que necessidade é essa que ele tem de fazer com que as pessoas o vejam como gringo? Por que não fala pras pessoas que simplesmente prefere conversar em inglês, embora seja fluente nas duas línguas? Por que não conta que, mesmo morando em solo brasileiro desde sua infância, sempre se comunicou em inglês com a mãe e que assim pôde praticar a língua inglesa a vida toda sem perder o sotaque americano da Califórnia? 


Bem, a essa altura do campeonato nós já temos resposta pra essas perguntas, não temos? Ele mente pelo prazer de mentir. Ele se sente mais feliz quando reforça sua identidade de gringo. Se contasse a verdade, as pessoas talvez duvidassem da autenticidade dessa identidade com argumentos do seguinte tipo: "Se você mora no Brasil desde os 5 anos, fala português como qualquer outra pessoa que cresceu no Rio e parte do sangue que corre nas suas veias é brasileiro mesmo, você não é tão gringo quanto pensa". Ao dar vida ao personagem Richard Van Otto, ele controla a narrativa de modo a não dar margem para que dúvidas e questionamentos como esse do meu exemplo surjam.


Uma vez estávamos conversando sobre quando e como perdemos nossa virgindade. Ele contou que perdeu aos doze anos com a sua babá de 16 anos na sua residência em Los Angeles num dia em que seus pais não estavam em casa. Contou também que, toda vez que viaja pra visitar a família nos Estados Unidos, ele marca de se encontrar com sua ex-babá que hoje já tem filhos e é divorciada. "Richard" relatou o quanto foi legal poder transar com ela de novo depois de ter tido outras experiências sexuais com outras mulheres mundo afora.

— Aos doze anos eu não sabia o que eu estava fazendo. Ela é quem me guiou com total controle da situação. Alguns anos depois foi minha vez de ter o controle. Eu devia estar com uns dezenove anos provavelmente. Pude mostrar pra quem me iniciou no sexo o quanto eu tinha evoluído e tudo que eu tinha aprendido desde então. Foi legal demais essa primeira vez que transamos depois de anos! — ele me contou.


Motivo 32: Assim como ele não morava em Los Angeles quando perdeu a virgindade, ele nunca teve uma babá. Não sei qual é a história real sobre sua primeira vez. A única coisa que eu e Elisa podemos garantir é que essa história sobre a primeira transa dele ter sido com a babá americana é fantasia da cabeça de um doente mental que quer se passar por um típico jovem americano aos olhos dos brasileiros com quem convive. 


Um detalhe importante: ao voltar no assunto da babá outras vezes, ele não se contradisse em nada, sabe. Nem mesmo esqueceu o nome que havia inventado pra ela: Nicole. É bem provável que ele tenha contado essa mesma história pra outras garotas e até mesmo para amigos como o Daniel. De tanto que repete essa fantasia pras pessoas, ele não se confunde nem se enrola com os pormenores da mentira.


"Richard" também me contou que depois de suas primeiras transas com a babá em sua adolescência, sua vida sexual ficou inativa durante todo o Ensino Médio porque o seu colégio interno em Londres era só para garotos. Assim que se formou lá, foi fazer um mochilão pela Europa, e foi justamente nessa euro trip que ele ganhou experiência sexual com inúmeras mulheres dos diversos países que visitou. 


Segundo Elisa, seu irmão nunca estudou em Londres por QUATRO ANOS. Na verdade, o Ricardo, quando adolescente, foi pra lá pra fazer um intercâmbio por apenas QUATRO SEMANAS! Ela também informou que, além da Inglaterra, o único outro país da Europa que ele já visitou é a Alemanha, onde esteve, já adulto, na companhia da Chin-Sun, a então namorada e patrocinadora de mais uma viagem.


No universo da ficção do Ricardo Ernesto, ele só pôde estudar num colégio interno londrino porque havia ganhado uma bolsa de estudos por ser atleta de natação. Ele tinha sido notado por um olheiro da instituição inglesa durante as competições que participou representando seu antigo colégio em Los Angeles. Segundo a Elisa, seu irmão, quando adolescente, foi mesmo um atleta de natação com ótimo desempenho nas competições, mas em pleno Rio de Janeiro não havia olheiro algum de escola estrangeira. Ele nunca ganhou bolsa de estudo alguma por causa de esporte. Aliás, ele estava no Ensino Médio ainda quando teve que desistir da natação porque seus pais entraram em uma crise financeira e não puderam mais pagar pelos seus treinos nem levá-lo mais a competições. Mas pra mim ele contou que durante todo o Ensino Médio ele participou de competições por todo o Reino Unido, incluindo a Escócia, um dos países que eu mais tenho vontade de conhecer.


"Richard", ao me contar que esse colégio interno era somente para meninos, confessou pra mim que a ausência de garotas num ambiente só pra adolescentes homens lhe rendeu muito sofrimento, considerando que ele era cheio de energia sexual, tinha ereções com muita frequência e normalmente se masturbava no mínimo duas vezes ao dia. Uma das inúmeras histórias que ele inventou ter vivenciado nesse colégio tinha a ver com um garoto britânico chamado Liam, colega de quarto do alojamento da escola que era gay. Uma vez Liam se ofereceu pra masturbá-lo e até mesmo fazer sexo oral nele, como uma forma de aliviar o colega. "Richard" contou que lhe agradeceu na tentativa de ser educado, porém recusou sua oferta com um não bem categórico. Ele também me contou que dividir o quarto com esse menino era um incômodo porque nunca se sentia à vontade perto dele. Liam o olhava com desejo. "Richard" nunca conseguia ter um sono profundo devido ao receio de que o colega de quarto tentasse tocá-lo no meio da noite. Que imaginação fértil e um tanto homofóbica a do Ricardo Ernesto! Aliás, quando ele narra essa história, ele transmite muito bem a sensação da enorme tensão em que ele supostamente vivia naquela época. 


Outra coisa que ele me contou foi sobre o hábito de vir passar suas férias com seus pais e seus irmãos no Rio durante aqueles quatro anos de Ensino Médio em Londres. Ele disse que sua família tinha se mudado de Los Angeles pro Rio de Janeiro justamente no ano em que ele tinha se mudado pra Inglaterra. Todas as férias que ele passou no Rio quando era criança e principalmente quando era adolescente explicam, segundo ele, por que cresceu tão familiarizado com a cultura brasileira e a cidade do Rio.


No universo imaginário do Ricardo Ernesto, o melhor amigo de "Richard" no colégio interno era um alemão chamado Jürgen. Eles eram da mesma turma. Foi com esse amigo que ele fez a euro trip após a formatura. A Elisa me garantiu que não havia nenhum garoto de nacionalidade alemã na turma do irmão lá na escola onde ele realmente cursou o Ensino Médio em Madureira. Embora ela estivesse no Ensino Fundamental ainda, Elisa estudava na mesma escola e os amigos do Ricardo frequentavam a sua casa. Ela tem certeza de que nenhum deles tinha o nome Jürgen. Um nome tão diferente como esse, ela certamente lembraria. Não havia ninguém também com o apelido de "Alemão". Me pergunto se no mínimo um desses amigos do colégio possuía um sobrenome em alemão pelo menos. Isso Elisa não sabe dizer, mas, assim como eu, ela aposta que nem isso um deles tinha!


Ricardo relatou que, no fim do mochilão pela Europa, "Richard" estendeu sua estadia no continente por mais quase trinta dias para, a pedido de Jürgen, ficar na casa da família dele no interior da Alemanha. Essa suposta temporada na casa do amigo rendeu ao "Richard" um filho não-planejado com a irmã mais velha de Jürgen. O filho, hoje com cinco anos, mora com a mãe, Helene, e se chama Hans Ulrich. Quando o "Richard" me falou sobre o filho pela primeira vez, ele ficou visivelmente emocionado, com os olhos cheios d'água. Também era visível o sofrimento dele por viver longe do pequeno Hans e por ter que esconder da sua própria família a existência da criança.


Quando voltei do Chile, ele me contou que tinha falado com o filho por vídeo-chamada no Skype na véspera do Natal. Ele chorou me contando isso. Lágrimas escorriam de seus olhos enquanto me confidenciava sobre as saudades que sentia de um filho que hoje sei que não existe! 


Motivo 33: Ricardo Ernesto simulou que tinha um filho! Fingiu sentir saudade de uma criança que não existe e até chorou pelo pequeno Hans na minha frente! Inventou que tinha engravidado uma alemã, irmã de um amigo imaginário que conheceu em um colégio onde nunca estudou, em Londres onde nunca morou! A camisinha foi estourar logo em plena Alemanha! O filho imaginário de um gringo fake tinha que ter uma gringa como mãe, não é mesmo?


A história mirabolante que ele conta é a seguinte: apaixonou-se pela Helene porque ela era a versão feminina do seu melhor amigo, mas com o passar do tempo compreendeu que seu sentimento foi muito mais uma projeção da sua admiração pelo amigo na irmã dele do que amor de verdade por ela. Acho que não resta dúvida alguma sobre o quão fértil é a imaginação do Ricardo Ernesto! Ele não tem o mínimo senso de ridículo.

O "Richard" só foi ficar sabendo que seria pai quando o bebê já estava pra nascer. No entanto, ele não iria precisar assumir a criança. Ele disse que a alemã é muito rica. A família de Helene e Jürgen é dona de muitas terras no interior da Alemanha. E o sonho da vida da garota era ser mãe. A sua gravidez era a realização de um sonho e ela definitivamente não precisava da pensão do pai que, por sua vez, nem emprego tinha e ainda estava pra começar sua graduação em Arqueologia. Helene não fazia questão nem mesmo de que "Richard" registrasse a criança, porque no início da sua gravidez ela tinha começado a namorar um alemão que estava disposto a assumir o Hans.


Motivo 34: Ricardo Ernesto criou uma história em que ele se apresenta como pai ausente, mas sem provocar revolta em quem escuta. Ele só é ausente porque não tem dinheiro para ir visitar o Hans com frequência, mas, graças à boa situação financeira da alemã, nada falta à criança. Ele nem mesmo pôde decidir se registraria ou não o próprio filho porque foi roubado dele esse direito. Quando Helene, por pressão do seu irmão, revelou ao "Richard" que estava grávida dele de sete meses, ela deixou bem claro que quem registraria a criança seria seu atual namorado. Pobre "Richard"! A Globo está perdendo um grande novelista! 


Meu embuste me mostrou até mesmo uma foto sua com o pequeno Hans no colo na única vez em que pôde ir à Alemanha visitá-lo. "Richard" apressou-se em dizer que aquela criancinha linda havia puxado muito mais a mãe do que ele, visto que o Hans Ulrich tinha o cabelo bem loirinho e a pele bem pálida que nem a mãe. Mal sabia eu que o menininho da foto tinha possibilidade zero de parecer com o Ricardo, afinal, ele não era o pai. A história ficou ainda mais comovente quando ele me contou sobre ter brincado de escorregar sobre montes de neve em um trenózinho com o Hans em seu colo. Quanta emoção havia nas histórias de quando esteve com o filho pela primeira vez!


Na segunda (e última) vez em que esteve com o filho pessoalmente, o encontro aconteceu aqui mesmo no Brasil. A alemã veio passar uns dias no Rio para que o Hans pudesse ter contato com o pai biológico mais uma vez, embora ele chamasse de pai o namorado da mãe que naquele momento já havia se tornado noivo. Esse cara não veio ao Brasil. Ficou na Alemanha trabalhando. Helene veio ao Rio apenas com o Jürgen e o pequeno Hans que, segundo os cálculos da imaginação do Ricardo, estava com uns quatro anos de idade na época.


A alemã, durante sua estadia no Rio, confessou ao "Richard" que, embora noiva de outro, ainda estava apaixonada por ele e gostaria que rolasse algo casual entre eles enquanto ela estivesse na cidade. Como ele é um homem muito íntegro, de caráter exemplar, extremamente maduro, recusou deixar rolar qualquer coisa entre eles dois, nem mesmo um beijo, porque, além de não querer complicar sua relação com a mãe do seu filho, Helene estava comprometida com outro homem. A essa pessoa, "Richard" sentia que lhe devia respeito não só por empatia ao próximo, mas também porque esse cara estava fazendo o papel de pai presente na vida do Hans. Mesmo sem conhecer o cara, "Richard" o respeitava e tinha eterna gratidão a ele. 


Que belo discurso, não? Considerando que nada disso é real, podemos constatar que o Ricardo Ernesto sabe mesmo quais elementos incluir na história para tornar seu próprio personagem cativante e até mesmo apaixonante. Ele conta tudo isso com muita humildade, infinita tristeza pela situação e um enorme amor incondicional por esse filho imaginário! E paralelamente faz o discurso sobre não entender como é possível as mulheres o acharem bonito, interessante e inteligente quando ele, em sua própria opinião, não é tudo isso. Hoje eu sei que o Ricardo construía essa imagem de inseguro e humilde só para tornar seu personagem "Richard" ainda mais cativante. À medida que ele me manipulava com a sua narrativa, mais apaixonadinha a trouxa aqui ficava.


Numa das últimas vezes em que falou sobre o seu filho fictício pra mim, Ricardo me contou que a alemã tinha ligado pra ele pra contar que já estava com a data do seu casamento marcada e que iria convidá-lo e lhe enviar de presente as passagens aéreas. Helene queria garantir que "Richard" comparecesse à cerimônia porque ele não poderia perder o momento em que o filho entraria na igreja como pajem.


— Imagina o pequeno Hans naquela roupinha tradicional da Alemanha! Bermuda verde com suspensório, meião, chapeuzinho verde... carregando as alianças até o altar! Meu filho vai estar uma graça. Acho que não vou conseguir conter minhas lágrimas.


Eu estava encantada com o encantamento dele ao imaginar o filho como pajem! 


— Você vai ser o maior papai babão nesse casamento! — comentei me sentindo orgulhosa dele. Minha cara deve ter virado aquele emoji com corações no lugar dos olhos!


Aproveitei a conversa e perguntei se ele tinha a intenção de um dia lutar pra registrar o filho ou ao menos convencer Helene a deixar o Hans passar um tempo com ele no Rio de vez em quando. "Richard" tinha a resposta na ponta da língua:


— Assim que eu terminar o meu mestrado, arrumar um emprego e conquistar minha estabilidade financeira, vou lutar pra conseguir o direito de trazer meu filho pra cá pelo menos uma vez por ano. Quero que seja eu quem vai ensiná-lo a surfar, sabe. Até lá já vou ter contado à minha família sobre ele. E até lá o Hans já vai estar fluente no inglês também, o que vai facilitar nossa comunicação. Hoje quando nos falamos pela webcam, além do Hans achar estranho sua mãe se referir a mim como seu pai quando é o noivo dela a pessoa quem ele considera pai, a gente tem a barreira da língua porque o meu alemão é bem básico.


Olha "O Fantástico Mundo de Ricardo Ernesto" mais uma vez em ação, gente!

Depois que a Elisa me contou que aqueles quatro anos vividos no colégio interno londrino e Jürgen, o melhor amigo alemão, eram simplesmente frutos da imaginação do Ricardo, eu lhe contei sobre o Hans com todos esses mesmos detalhes que acabei de narrar pra vocês. Foi perceptível o quão chocada ela ficou com essa história.


— Ju, é claro que não fico surpresa quando tomo conhecimento de mais uma mentira do meu irmão. Eu bem sei que ele mente pra todo mundo, inclusive pros meus pais. O que me choca nessa história sobre ter um filho é o nível de emoção que ele conseguiu criar e transmitir. Foi um monte de mentiras que envolveu a encenação de muitas emoções da parte dele! Meu irmão tem problemas mentais mais graves do que eu imaginava, Ju! Você não tem ideia da vergonha que eu sinto do Ricardo. Imagina se um dia ele tiver um filho de verdade! Imagina o péssimo exemplo que ele vai dar pro filho! A criança ainda pode herdar geneticamente essa patologia que é a compulsão dele por mentiras. Eu acho que até prefiro que ele nunca me dê um sobrinho... E por falar em sobrinho, o que dizer sobre o pequeno Hans, esse meu sobrinho que não existe, mas que eu já considero tanto hein!? — e com esse comentário final ela me fez soltar uma risada. Ela também riu e assim quebramos o clima fúnebre que pairava entre nós.


Em seguida ela me perguntou se eu tinha nos arquivos do whatsapp a foto do Ricardo com o suposto filho. Expliquei que ele nunca chegou a me enviar a foto. Ele apenas me mostrou no celular dele mesmo. Elisa me olhou pensativa. Pegou seu próprio celular, abriu seu aplicativo do instagram, digitou Chin-Sun na barra de busca e começou a procurar alguma coisa na página privada da coreana. Demorou alguns instantes, mas por fim achou o que procurava. Lá estava Elisa me mostrando uma foto da Chin-Sun ao lado de uma mulher loira com cara de alemã e a mesma criança da foto que o Ricardo Ernesto havia me mostrado!!! Em cima da imagem havia a localização: uma cidade alemã da qual eu nunca tinha ouvido falar. Na legenda da foto a coreana havia escrito em inglês: "Meu afilhado e minha melhor amiga". Elisa mexeu no celular e me mostrou uma outra foto. Essa agora era do seu irmão com o garotinho no colo.


— Foi essa foto que o seu irmão me mostrou, Elisa! Foi essa aí mesmo!


Peguei o celular dela pra poder ler a legenda dessa foto. Chin-Sun havia escrito: "Os dois amores da minha vida: o pequeno Aaron e o futuro pai dos meus filhos". Futuro pai dos filhos da Chin-Sun. Ok. Meus olhos encheram d'água, e eu não consegui comentar nada.


— Essa alemã se chama Franzisca. — Elisa começou a me contar. — Ela já morou em Seoul. É uma das melhores amigas da Chin-Sun. Ela convidou a coreana pra ir à Alemanha visitá-la, conhecer seu filho e participar do batizado pra virar madrinha da criança. A Chin-Sun convidou meu irmão pra acompanhá-la, se ofereceu pra pagar a viagem dele como sempre e aí ele foi pra Alemanha com ela. Mas ele nem é o padrinho da criança. Isso é tudo o que eu sei.


— Pelo visto o nome dessa criança não é nem mesmo Hans Ulrich. Na legenda da foto tá escrito Aaron. — eu comentei, mesmo sabendo que a Elisa obviamente já tinha percebido isso.

— Ele deve ter te mostrado essa foto porque não deixa de ser uma foto dele na Alemanha junto com uma criança alemã de verdade. Ele deve ter pensado que essa foto era uma forma de comprovar, de dar credibilidade à história que ele te contou. Probleminhas mentais graves explicam isso, Ju.


— Explicam, mas não justificam. — falei rispidamente e uma lágrima caiu contra a minha vontade.


— Claro que não justificam! Não há desculpa pro que ele fez! Eu te falei, Ju, que ele é meu irmão, mas eu sinto muita vergonha de ter um irmão como ele. Não posso mudá-lo, mas vou sempre te pedir perdão por ele ter te conquistado com todas essas mentiras. — ela me abraçou.


— Mas você não precisa pedir perdão por ele.


— Não preciso, mas eu quero. Não posso consertar o estrago que ele fez no seu coração, mas posso te oferecer minha amizade e meu apoio incondicional. Pelo menos o que te ofereço é verdadeiro. Quero que você conte comigo pra tudo. — Elisa me respondeu. Dessa vez fui eu que a abracei.


Foi nessa conversa com a Elisa que eu descobri que, de tudo que o Ricardo me contou, a única história que, na época em que eu confiava na palavra dele, eu cogitei que pudesse ser uma mentira era realmente verdade. Quando ele me confidenciou seu segredo sobre ter um filho, não hesitei em lhe fazer a seguinte pergunta:


— Richard, por que você nunca contou sobre o seu filho pra sua família? Do jeito que você diz que seus pais são conservadores, você tem receio de que eles fiquem decepcionados contigo por você ter feito um filho sem ter casado primeiro? Ou então será que é medo de que eles tentem obrigar você a se casar com a mãe da criança?


— Não, Ju. Eu não posso contar pra eles porque minha mãe acredita que eu sou virgem ainda.


Nunca duvidei da história sobre o pequeno Hans, mas a parte sobre a mãe do "Richard" acreditar que o filho de 25 anos ainda é virgem me soou estranha, parecia caô. Segundo Elisa, a Dona Margaret realmente acredita nessa mentira que o Ricardo Ernesto faz questão de alimentar. Mal sabe ela que ele não só tem uma vida sexual bastante ativa como também trai a namorada e mente pra todas as garotas com quem se relaciona. Mas nós não devemos julgar as mães que são cegas em relação aos próprios filhos, devemos? Amor em excesso pode cegar as pessoas. 


"Richard" me contou que tem tanto medo de que sua mãe ache camisinhas nas suas coisas que ele raramente guarda alguma em casa. Uma vez ele escondeu duas dentro da meia pra poder conseguir entrar e sair de casa sem correr o risco de que alguém as descobrisse. Sua mãe já tinha encontrado preservativo em sua carteira há alguns anos atrás e tinha feito um escândalo como se aquilo fosse evidência de um crime que ele andava cometendo. Ricardo não queria ter que passar por uma situação como aquela de novo nunca mais. Pobre "Richard"! Aliás, ele ainda teve a cara de pau de me dizer que se sentiu um bosta por ter mentido pros seus pais, ao inventar uma desculpa pra justificar a presença da camisinha em sua carteira. Até parece que ele se sente mal por mentir... — Mãe, para com isso! Eu não ando fazendo nada de errado por aí, não! Esse preservativo é daqueles que os postos de saúde dão! A Secretária de Saúde mandou um grupo de profissionais lá na minha faculdade pra fazer uma campanha de conscientização aos jovens sobre sexo seguro. Eles distribuíram as camisinhas, e todos os meus colegas de turma aceitaram de boa. Teria pegado mal se eu tivesse sido o único a recusar. Aceitei, guardei e a esqueci guardada aí. A senhora não precisa fazer uma tempestade num copo d'água por causa disso não, mãe. Pode pegar e jogar fora, se quiser. Agora me deixa voltar a ler o meu livro, por favor. E se não for pedir muito, coloca minha carteira de volta na mochila. Senão vou esquecê-la em casa e aí vou passar vergonha na hora de pagar a passagem do ônibus amanhã, quando eu estiver indo pra faculdade. — ele respondeu à mãe e assim conseguiu botar um ponto final nos questionamentos dela. Elisa me confirmou que ele realmente deu essa resposta à mãe naquela situação. Ela me falou também de uma vez em que estava assistindo a um filme com os pais e os irmãos e, quando apareceu uma cena leve de sexo entre dois adolescentes, o Ricardo comentou que aquilo era nojento e imediatamente pegou o controle remoto pra avançar a cena. A mãe fez algum comentário sobre a juventude de hoje estar perdida, e o falso virgem disse a ela: — Sexo é uma coisa muito nojenta... Não gosto nem de imaginar. Que hipócrita! Nojenta é essa encenação dele! Elisa contou que revirou os olhos ao ouvi-lo dizer aquilo, até porque ela já sabia que o irmão tem vida sexual ativa. A coreana já havia lhe confidenciado isso. Elisa também já tinha visto sem querer no whatsapp dele algumas nudes e mensagens de cunho sexual que ele trocava com diversas mulheres. Ela, entretanto, sabia que de nada adiantaria tentar abrir os olhos da mãe. Tempos depois, quando Elisa achou a camisinha usada e o bolo de cabelo loiro de mulher no banheiro do irmão, ela até cogitou mostrar aquilo à sua mãe como prova irrefutável de que a suposta virgindade do Ricardo era uma farsa. Querem saber por que ela desistiu dessa ideia? Porque Elisa logo lembrou do quão dissimulado o irmão é e que, como sempre, ele teria uma desculpa criativa pra dar e sua mãe não iria duvidar da historinha dele nem mesmo por um segundo de lucidez. — Ju, pra você ter uma ideia, uma vez minha mãe achou uma embalagem de camisinha vazia perdida pelo chão do quarto dele. Pra se safar dessa, ele inventou que a embalagem vazia devia ter vindo da rua, presa na sola dos boots que ele usava muito na época. Ele ainda disse assim: "Ontem foi papel de bala que veio preso no meu sapato. Hoje foi pacote rasgado de preservativo. Amanhã vai ser o quê? Tomara que eu dê sorte e da próxima vez seja uma nota de cem reais!" — Como ele é cínico! — falei quase gritando. — Cínico demais, Ju. — Não preciso nem perguntar se sua mãe acreditou nessa história dele. Já sei a resposta. — Pois é, ela acreditou de imediato. Nessas horas ele faz cara de inocente. A forma dele falar transborda uma ingenuidade falsa. É um ator nato! — E seu pai? Ele estava por perto? Ele engoliu essa história também? — Ele presenciou tudo e não falou nada no momento. Mas depois, quando eu e ele estávamos a sós, ele mesmo me perguntou se eu tinha acreditado na história do meu irmão. Fui sincera. Falei que não, que não acreditei nem por um segundo. — E como seu pai reagiu à sua resposta!? — Ah, ele respondeu "Nem eu". Pai sensato! Que pena que o Senhor Wilson nem imagina que a história da bananada no aeroporto do Egito é mentira também. Elisa continuou: — Mas acho que o meu pai nunca contou pra minha mãe que ele não engole essa história do Ricardo ser virgem. Meu pai sabe que minha mãe fica cega quando se trata do meu irmão. Se o meu próprio pai acha que não adianta tentar abrir os olhos dela, com certeza não sou eu quem vai conseguir romper essa cegueira. Motivo 35: Ricardo finge pros pais que ele, no auge dos seus 25 anos, ainda é virgem e que sente nojo do ato sexual. Inventa desculpas esfarrapadas pra sua mãe quando ela encontra embalagem de camisinha no meio das coisas dele. Dona Margaret sempre acredita de imediato em suas histórias e assim ele segue alimentando essa mentira sobre ser virgem e puro. Puro caô. Ricardo Ernesto é "O virgem de Taubaté". Vocês gostariam de saber o que é que eu realmente mais desejo com toda a força existente no âmago do meu ser? Que num belo dia de domingo os pais dele cheguem cedo de Teresópolis e flagrem o filho transando com alguma garota, não me importa qual, dentro da casa deles. Meu desejo é apenas que a farsa que ele constrói em torno de si venha à tona para todos aqueles com quem ele convive, especialmente para a Dona Margaret. Mas não adianta a Elisa tentar contar tudo pra ela. Não adianta eu procurá-la pra contar. A mãe precisa ver com seus próprios olhos que o filho, na verdade, é um mitomaníaco, um Pinocchio psicopata e narcisista, que já fez muito mal a muitas pessoas. Quem sabe não é isso o que falta pro jogo finalmente virar? Sinceramente, o Ricardo Ernesto não reconhece cada garota que já perdeu por causa de suas mentiras como derrotas. Se uma sai do jogo, assim como eu saí, aparecem várias outras na mira dele. Na visão desse embuste, ele está sempre ganhando. Quando é que essa invencibilidade vai acabar!? O meu palpite é de que a casa cai e o jogo vira somente no dia em que a mãe dele enxergar que, desde que seu filho querido colocou uma venda em seus olhos, ele se tornou um lixo de ser humano. Ela não viu acontecer, mas é isso o que ele se tornou. Preciso acreditar que alguma coisa nessa vida é capaz de despertar culpa e vergonha no Ricardo Ernesto. Preciso acreditar que um mitomaníaco psicopata narcisista se importa com a opinião da própria mãe a ponto de ser impactado com a decepção que suponho que ela terá quando finalmente enxergá-lo por trás de toda a farsa. Preciso acreditar que ele não vai se dar bem pra sempre, simplesmente porque não é justo ele continuar mandando tantas auto-estimas pra vala, enquanto o ego dele sai inflado e com a certeza de impunidade toda vez que faz mais uma vítima. Por enquanto ele não vai parar de enganar, usar e descartar as pessoas. Do ponto de vista dele, não há nada que o motive a parar. Não há... por enquanto. O mundo gira, Ricardo Ernesto. O jogo há de virar.




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